II. Vila Suspensa

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Quando abriu os olhos, Lily estava num bote a remos feito de madeira. Rory encontrava-se sentado a meio do bote a espiar com atenção através de um buraco feito num saco qualquer de pano castanho. Ao lado dele, numa túnica branca, encontrava-se alguém de cabelos igualmente brancos e pele ainda mais clara.

Lily usou os braços para puxar o corpo e sentar-se no bote. Ela espreitou para fora e viu altos planaltos em torno do mar desconhecido. Enquanto isso, a pessoa misteriosa remou por entre os planaltos, unidos por uma ponte de cordas e tábuas sobre o rio e cobertos por uma vasta vegetação, que criava sombra e não deixava a luz intensa do sol chegar ao rio. Era início de tarde.

Ao perceber que a amiga tinha acordado, Rory colocou o dedo junto aos lábios fazendo-a entender que deveria ficar em silêncio. Ela assim o fez.

Continuando pelo rio dentro, era possível ouvir os corvos a crocitar como se conversassem sobre um assunto de elevada importância. Sapos saltavam das águas para as ribanceiras, agarrando-se às pequenas rochas, enquanto os peixes pareciam afastar-se do bote como se de um predador se tratasse. Mais adiante, ouvia-se o som da água agitada proveniente da cascata que alimentava o rio.

Já estavam próximos da cascata, quando o ser misterioso que os conduzia encostou o bote junto à ribanceira, prendendo-o com uma corda a uma estaca de madeira ali espetada. Havia mais três botes ao lado.

– Saiam – ordenou, voltando-se para eles.

Lily reconheceu-a. Era a mulher que os tinha levado até à loja de bicicletas. Porém, a sua aparência estava diferente. Parecia mais jovem, mas também doente. A sua palidez não parecia nada normal.

– Os seres brancos de que falou... parece-me que é uma deles! – disse Lily.

A mulher manteve-se silenciosa e seguiu o trilho estreito, guiando-os a uma escada feita de corda. Ela desviou-se subtilmente para que eles a subissem primeiro. No topo da escada, havia uma outra escada, que a mulher lhes deu a entender que deveriam também subir.

– Para onde nos está a levar? – perguntou Lily, inquieta pelo silêncio.

– Subam – foi a única resposta que conseguiu.

– Porque estamos aqui? Eu lembro-me que...

– Sobe – interrompeu-a a mulher com um ar sisudo.

Mas Rory já ia a meio das escadas e como não queria irritar a mulher, Lily decidiu seguir o amigo. Lily estava certa que ele saberia o que estava a fazer. Pelo menos, era nisso que gostava de acreditar.

A segunda escada levou-os a uma enorme plataforma circular. A plataforma encontrava-se a dez metros do chão, sendo sustentada por vigas de madeira e árvores. Esta era uma das principais estruturas daquele espaço, permitindo o acesso às restantes plataformas, todas elas unidas por passadiços. Todas juntas criavam uma vila sob a copa das árvores e acima do rio.

– Onde estamos? – insistiu Lily, debruçando-se sobre as grades de madeira. – Estamos por cima do rio?

– Sigam-me – disse a mulher de branco sem nunca perder a sua postura.

– Rory! – sussurrou Lily entre cotoveladas. – O que se passa?

– Chiu! Não a queres chatear!

– Porquê?

– Faz o que ela diz – disse-lhe, lançando-lhe um olhar de preocupação.

Os dois amigos continuaram a seguir a mulher de branco. Ela levou-os de plataforma em plataforma, usando os passadiços que levavam a um conjunto de portas fechadas que davam acesso a uma série de casas construídas com o mesmo material das plataformas. Havia vários buracos e frinchas nas paredes. O telhado também não parecia estar em melhor estado e todas as janelas, sem exceção, eram atravessadas por largas tábuas, o que tornava difícil ver o que estava dentro das casas.

Lily não deixou de notar que de onde estavam apenas se ouviam os corvos, mas já um pouco distantes.

Mais adiante, depararam-se com uma porta aberta. Deveria ser a única. Dentro, estava um homem. De pé e com os braços estendidos e punhos cerrados sobre uma mesa, apresentava um semblante pesado, tal como o da mulher que os conduzia. Em cima da mesa estava um pedaço de um mapa enrolado numa tira de couro rasgada contendo símbolos estranhos. Em seu redor, uma série de apontamentos arrancados de um manual estavam colados ao lado de cada um desses símbolos.

– Fiquem aqui – ordenou-lhes a mulher.

– Quem é aquele? – perguntou Lily a Rory.

– Chiu... – aconselhou Rory, desviando o olhar para o chão.

Lily ficou ainda mais inquieta com a reação do amigo, que não lhe parecia o rapaz animado e aventureiro de que se lembrava.

– Não! – rosnou o homem de repente, chamando a atenção de Lily. Quando ele se desviou, a luz entrou na sala e iluminou os pés de uma idosa sentada numa cadeira ao fundo da sala. A velha senhora franziu o sobrolho ao ver os dois adolescentes e, após um momento de reflexão, fez um gesto ao homem para que ele se aproximasse e segredou-lhe algo ao ouvido. Ele inclinou a cabeça sugerindo que concordava e voltou-se para a mulher que os trouxe. Era possível ver os seus lábios a mexer, mas não parecia sair qualquer som de lá.

– Vamos, em frente! – disse a mulher ao retornar para junto de Lily e Rory.

Atravessaram duas plataformas e subiram um par de degraus para uma plataforma mais alta, onde terminava o passadiço. Junto de uma nova porta, a mulher agarrou os dois pelo braço e puxou-os.

Etéreo: Vila SuspensaOnde histórias criam vida. Descubra agora