– Lily! – chamou Frella. – Guia-nos até às escadas de cordas.
Lily, atrapalhada, pegou na pedra com o mapa e leu-o o mais depressa que conseguiu, enquanto corria para a frente do seu grupo.
– Por aqui! – disse apressada.
A sua coragem, ou loucura, inspirou parte do seu grupo a segui-la sem hesitação.
No mesmo instante, a Suprema deixou escapar um sorriso malicioso que não passou despercebido a May. O general pegou numa corneta e tocou-a duas vezes. Os outros brancos presentes na sala pegaram em bastões de madeira e em passos lentos seguiram o grupo em fuga. Eles pareciam não demostrar qualquer preocupação.
– Alguma coisa está mal! – rabujou Frella.
– Porque não estão a correr?
Lily conseguiu guiar o grupo até à escada por onde tinha entrado, mas esta tinha sido cortada.
– Oh, não! – choramingou baixinho.
– Há mais escadas de corda, guia-nos até à próxima. Eu protejo-te se nos cruzarmos com algum branco. Vá, pega na pedra! Lê o mapa!
– Sim, ler o mapa. Por aqui!
Lily guiou-os até à próxima escada, que também estava cortada.
– Aqueles malditos cortaram todas as escadas. Se nos atirarmos daqui, é morte certa. Deixa-me ver o mapa – pediu Frella, tirando bruscamente a pedra das mãos de Lily. – O que me está a escapar? Tem que haver outra saída. O rio. É isso! – gritou com entusiasmo.
No mapa havia uma ligeira depressão em torno da maior plataforma ou, como era conhecida, da plataforma central. Essa depressão representava o rio. Frella, considerando a altura entre as plataformas e o chão, entendeu que um salto para o rio seria a melhor hipótese que teriam de sobreviver. Assim, conduziu o seu grupo até à plataforma central, onde vários passadiços se uniam. No entanto, ao chegarem lá, e para seu desespero, não havia aberturas que lhes permitissem saltar. As plataformas adjacentes estavam unidas a esta por rampas.
– Não pode ser! – lamuriou-se Frella, caindo sobre si mesma.
– Os brancos estão mais próximos! – alertou um dos fugitivos.
– Eles são muito mais do que aqueles que contei – reforçou Lily, enquanto agarrava a mão do amigo. A aproximação dos brancos fê-la repensar nos últimos momentos que vivera. De repente, sentiu culpa pelo que pensava estar prestes a acontecer. – Desculpa... eu não deveria ter concordado com a nossa aventura na costa – segredou-lhe.
Ele sorriu ternamente e apertou-lhe a mão com força.
– Não, esperem. No centro está uma escotilha. Frella, ajuda-me! – pediu May, que agora não tinha intenções de desistir da sua vida.
O mecanismo da escotilha era antigo e um tanto estranho. Havia uma corda de aço presa à tampa pesada, que passava por um poste alto e descia até uma presilha na plataforma, onde continuava até uma roda com uma manivela.
– Acho que temos que a rodar. Acho que temos que usar a manivela – sugeriu May, demonstrando o que dizia. Porém, ela não tinha a força necessária para a fazer mover. Outros dois membros do grupo juntaram-se a ela e conseguiram então puxar a corda de aço e levantar a tampa.
Com a tampa retirada, depararam-se com um novo problema. A tampa escondia ainda uma porta que exigia uma chave. A chave tinha de ser encaixada numa fechadura de formato incomum localizada exatamente a meio da porta.
– O que diz aqui? O que diz em cima do raio da fechadura? – perguntou Frella, cada vez mais nervosa.
May debruçou-se sobre a porta:
"Para o inocente que deseja voar, a sua inocência terá de largar. A falha da mestre ele punirá e a chave conseguirá. Coloca-a aqui e a primeira porta se abrirá."
– É simples... a chave é um coração – disse May, destroçada pela atrocidade que um deles teria que cometer.
– Temos que arrancar o coração daquela que falhará. O coração da Suprema – concluiu Lily.
Os brancos pisaram na plataforma central e ergueram os bastões horizontalmente ao nível da cabeça e rodaram-nos até que ficassem na vertical. Este era o seu ritual que realizavam sempre que iniciavam uma luta. Com um braço atrás das costas, o primeiro, elegantemente, dirigiu-se a Frella. Ela agarrou na forquilha e apontou-a para o ventre dele, reforçando a ameaça com movimentos para a frente. O branco, mantendo um braço atrás das costas, desviou-se com suavidade. Outros dois brancos juntaram-se à luta, fazendo Frella recuar com a sua forquilha.
– Mas de onde raio vêm tantos feiosos? – gritou com ira.
– A Suprema deve tê-los acordado.
– A sério, May? Estou agora muito mais elucidada!
– Eu tenho um plano! – disse May ao ver-se obrigada a recuar com os restantes prisioneiros. Os brancos tinham o grupo cercado.
– Estás à espera do quê para o revelar?
– Nós precisamos do coração da Suprema e só tu tens uma arma capaz de cortar.
– Não diria que uma forquilha é capaz de cortar.
– É capaz de furar e isso é suficiente para conseguires enfiar as mãos no peito da Suprema.
– Nunca pensei que fosse gostar tanto de ti, May!
O general apareceu e ficou numa plataforma adjacente a assistir com deleite ao cerco.
– Cala-te e deixa-me acabar. Usa a forquilha para passar pelos brancos e vai até à sala dela. Ela está sozinha, de certeza – afirmou confiante ao ver o sorriso do general. – Leva um dos pequenotes contigo. Eles são mais ágeis, pelo que se não conseguires voltar, talvez eles consigam.
– Tanta confiança em mim... sinto-me tocada!
– Frella!
– Ah! – gritou Frella, ao ser atingida nas pernas com um bastão. Ela caiu no chão com a forquilha. O mesmo branco preparava-se para a atingir na cabeça e deixá-la inconsciente, mas May interveio e apanhou o bastão com as duas mãos.
Nesse preciso momento, Rory tirou uma navalha do bolso e colocou-a à frente dos olhos de Lily. Eles trocaram olhares.
Um dos prisioneiros, desnutrido e com os lábios rachados, esforçava-se por se esquivar dos ataques de um dos brancos, que embora fossem lentos, eram suficientemente rápidos para o deixar exausto. Uma das suas feridas, que estava quase a cicatrizar, voltou a abrir-se e manchou com sangue as roupas empobrecidas. Ele caiu no chão e rebolou para se esquivar dos ataques. Foi aí que ele viu a troca de olhares entre os dois adolescentes e falou: – A tua decisão é simples: ela ou nós?
Lily paralisou, exceto nos pensamentos, que se agitaram com a ideia de ter que matar alguém. "Eu não consigo..." – pensava agonizada. Os prisioneiros¬ estavam a dizer-lhe para arrancar o coração de alguém, que embora não fosse humano, parecia um.
– Eu não consigo – repetiu baixinho a si própria.
– Lily, rápido, por favor! Eu não sei até quando conseguiremos aguentá-los – implorou uma voz em agonia.
A branca que trouxe Lily e Rory para as plataformas apareceu do meio dos outros brancos e, depois de uma rápida e repentina vénia na direção dos fugitivos, fez o ritual inicial de luta e usou o seu bastão para lutar contra a sua própria raça.
– Lily... – chamou o amigo, trémulo, com o olhar mais triste e assustado que ela alguma vez vira.
– Rory... – Lily retribuiu o chamamento, franzindo os olhos. De seguida, tirou-lhe a navalha da mão e a branca abriu caminho até à plataforma adjacente, onde ficou presa numa luta contra o general.
– Corre, Lily! – ordenou-lhe a branca.
– Eu vou conseguir, Rory. Ela não nos vai fazer mal... – Lily correu sem parar, sentindo os batimentos do seu coração cada vez mais rápidos. Ela nunca se tinha sentido tão destemida e cheia da vida. Aquela sensação fazia-a sentir-se quase imortal.
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Etéreo: Vila Suspensa
Teen FictionLilith Smith é uma menina de quinze anos, magra e não muito alta. Os seus olhos verdes sobressaem entre os cabelos negros e despenteados que lhe cobrem parte do rosto. Ela mora debaixo de um teto modesto com a sua mãe, pai, irmã e irmão. Apesar de g...