O BRILHO DA LUZ

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No começo, Pietra e Dandara se atrapalhavam e se atropelavam constantemente, gerando conflito e distorção entre elas mesmas e aos que estavam à volta. Causava desconforto para ambas e constrangimento para os envolvidos. Por não ser compreendida, Dandara chorava e esbravejava.

Pietra se calava entristecida e guardava para si suas convicções e seus pensamentos. Segura de si, sabia das coisas importantes por intuição e não raro confirmava suas convicções em leituras constantes e observações diárias. Dandara ao contrário, queria fazer valer suas ideias e seus conceitos. Falava, demasiada e desnecessariamente. Pietra, tinha personalidade discreta, se mantinha reservada e quase apagada ao lado de Dandara.

Dandara queria brilhar. Pietra queria ser luz.

Dandara isolou e ignorou Pietra, completamente. Para Dandara existir, Pietra precisava desaparecer. Pietra aceitou resignada a decisão, sabia quem era, não havia necessidade de se impor, Dandara tinha muito o que aprender, nada mais sensato do que dar-lhe a vez e calar sua voz, enquanto isso, iria aproveitar inteiramente aquele período de reclusão para fazer alguns estudos e pesquisas. Também tinha muito a aprender e observar Dandara seria seu ponto departida para o vindouro entendimento entre elas.

À sombra de Dandara, Pietra se aninhou. Silenciosa acompanhou seus passos ousados, seus discursos eloquentes e bem ensaiados, porém sem muita convicção. Dandara falava sobre temas aceitáveis e da maneira que seria ouvida, entretanto ela mesma conservava certas dúvidas e respostas nada convincentes à tantas perguntas que gravitavam-lhe a mente. Nessas horas lembrava de Pietra e em silêncio a observava. Pietra calma e serena a ignorava.

Estabeleceu-se entre as duas um jogo de observação. Com o passar do tempo, Dandara experimentou decepções monstruosas. Se contorceu em frustrações. Mas a teimosia a perseguia, a insistência a desafiava. Se embrenhou por uma alameda atraente e pomposa. Visitou lugares extraordinários, conheceu pessoas incríveis, participou de eventos importantes e chegou a brilhar algumas vezes, não como queria, mas cria que seu momento de glória iria chegar, para isso estava se empenhando. Porém, ao olhar para Pietra, sentia uma imensa tristeza, se via tão pequena diante dela, tão miserável. 

Reconhecia em Pietra a beleza da honestidade, o compromisso para com a verdade, a grandeza da compreensão, a força da dedicação em seu desempenho para alcançar suas metas. Entretanto, sua figura externa era apagada, quase invisível.

Pietra também se entristecia ao observar Dandara. Reconhecia nela a inteligência aflorada, a versatilidade em seus atos. Buscou instrução, cultivou a vaidade, porém continuou sendo impetuosa, impulsiva, insensata, insistente. Quase sempre confundia o verdadeiro significado dos termos insistência e persistência. E comumente insistia muito em coisas que não valiam à pena, mas a teimosia falava mais alto, achava que podia reverter situações, mudar o curso dos acontecimentos mesmo sabendo lá no recanto mais íntimo de seu ser, que era impossível. 

Pobre criatura! Triste saber que nunca confiou em sua voz interior sempre mostrando-lhe os tropeços, os caminhos traiçoeiros, as emboscadas, no entanto, era necessário deixá-la seguir seus passos até onde eles a levassem.

Foi preciso longos anos de aprendizado para ambas até alcançarem o doloroso, porém acertado desfecho.

Dandara enfureceu, Dandara gritou, Dandara gemeu, Dandara surtou. Seria seu fim?

Ela se trancou, fechou-se para o mundo, se esvaiu em lágrimas enquanto flutuou sobre as cenas vividas as quais ela foi riscando uma a uma e jogando na escuridão até também mergulhar nela por inteira.

Pietra fugiu. Pietra sumiu, abandonou a casa e desapareceu. Seria seu fim?

O sumiço de Pietra e a escuridão de Dandara durou longos dias, até que o inevitável aconteceu.

Elas se viram frente a frente, olho no olho, então amadurecidas, experientes e prontas para a conversa definitiva. Sem disputas. Sem rixas. Cada qual no seu espaço, cada qual no seu caminho.

Para Pietra existir, Dandara precisava atuar. O cenário não podia desaparecer, não foram elas a construí-lo, cabia-lhes a função de integrá-lo, como já estava estabelecido. Ambas concordaram. E assim, Dandara abraçou Pietra, deu- lhe uma coroa de pedras preciosas, abriu-lhe a porta e a deixou caminhar livre. Estaria com ela em todas as situações, apenas a cumprir o seu papel de escudo protetor.

Então, deram início à uma nova caminhada, desta vez discreta, compassada, harmoniosa, de mãos dadas, em paz e cientes de suas verdadeiras responsabilidades. Em comum acordo.

Dandara passou a ser o brilho da luz de Pietra.

SEIVA E SUMO

Nascem as rochas
frias
maciças
enormes
disformes,
forram o chão
penetram na terra
viram poeira
tornam grão
surge o verde
da planta rasteira
nos campos
abertos
despertos
cobertos de flores
chamando
por certo
pequenos insetos
que voam nos ares
e outros seres
enchem os vales
habitam as matas
povoam os mares
e eis os primatas,
se abrem
os olhos
do bicho homem
enorme
disforme
distante do rumo
longe prumo

(Maria)

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