Helen completou dezoito anos há dois meses, mas não tinha muito o que comemorar.
Desde pequena, queria muito atingir a maioridade e sempre deixava isso muito claro em todas as ocasiões. Queria se emancipar e sair de vez de Azon.
Seu pai, Gustavo, era o rei local e desejava uma filha educada nos mais finos modos. Ela deveria saber tecer, cozinhar, pintar, ler e educar crianças. O irmão mais velho, Lucas, fora treinado no oposto: guerrear e governar, para um dia ser o sucessor no governo do reino.
Mas Helen sabia como conseguir as coisas.
Desde os doze anos treinava com espadas, arco-e-flecha, facas e combate corporal — desde que também tivesse aulas de etiqueta, escrita e afazeres domésticos. "Uma troca justa", considerou na época.
Seis anos mais velha, ela finalmente pôde dizer que a troca não foi tão justa assim — mas de sua parte.
Seu pai tinha esperança de casá-la com um governante de algum reino vizinho, talvez de Arnon ou até mesmo de Ralle, e assim fortalecer os domínios territoriais da família. Vários pretendentes já haviam manifestado interesse naquela união, pois ser casado com a filha do rei de Azon poderia trazer muitas vantagens. Entretanto, Helen sempre arrumou algum motivo para impedir a concretização da vontade de seu pai, e por isso ela sempre se culpava.
Seu irmão Lucas, no auge dos vinte e cinco anos, também ainda era solteiro. O pai deles não havia considerado propício e recusou todas as pretendentes. "Ainda não", dizia. "Há tempo para escolher melhor, e por enquanto poderei treiná-lo para ser meu sucessor no reino".
Helen nunca tinha se interessado em política ou governos, pois gostava mesmo era de se aventurar em algumas campanhas. Mesmo contra a vontade do pai, infiltrava-se nas patrulhas que mantinham a ordem em Azon, principalmente na comandada por Baltazar, seu mentor na arte da espada desde os doze anos de idade.
Baltazar era corpo e alma de guerreiro. O major de Azon e conselheiro militar do rei já passava de meio século de idade e ostentava uma cicatriz no olho esquerdo, fruto da batalha que salvou a pequena Helen quando ainda era bebê. Após aquela trágica investida onde sua mãe perdera a vida quando as duas foram sequestradas por bandoleiros no caminho de volta do interior, Baltazar executou todos os doze captores em praça pública, como exemplo para quem quer que ousasse fazer mal à família do governo local.
Baltazar então sempre foi como um segundo pai para Helen. Às vezes, era como se fosse seu verdadeiro pai. Acompanhava-a nos treinos, nas aulas e nas cavalgadas. Mesmo com as obrigações militares, sempre achava tempo para a garota, que agora havia crescido e se transformado em uma mulher.
Atingira a maioridade. Havia completado seus dezoito anos há dois meses... mas não havia muito o que comemorar:
— Eu quero patrulhar mais longe, Baltazar! — exigiu a garota, o cabelo escuro rente aos ombros balançando ao vento. — Cansei de ser mantida em segurança aqui no reino e de me contentar com as pequenas empreitadas escondidas contra tumultuadores do interior.
— Helen, você sabe que seu pai desaprova isso! Ele quer que você monte uma família! — respondeu o general de cabelos grisalhos e barba curta.
— Mas você me treinou! Sabe quanto sou capaz! Sabe que posso lutar e que tenho capacidade para liderar!
— Após a trágica morte de sua mãe, seu pai foi bem claro: a última mulher da família real não pode ser exposta a perigo. Tem noção do quanto eu me arrisco por te levar às escondidas para as patrulhas?
— Desculpa, Baltazar. Sei que você faz o possível. Não sei de quê adianta completar dezoito anos se, na prática, nada muda.
— Preciso ir, Helen, o rei convocou uma reunião emergencial. Notícias do sul.
***
Na grande mesa circular estavam sentados os prepostos de toda a região do reino de Azon. Eram ao todo doze pessoas que representavam os militares, os comerciantes, os artesãos, os sacerdotes, os agricultores e outras classes trabalhadoras do reino.
— Serei breve — disse o rei Gustavo. —Tenho relatos de três patrulhas que me preocuparam bastante, apesar de eu não ter dado crédito a eles logo de início.
— Como assim, meu senhor? — questionou a voz rouca do sacerdote Afonso, de túnica, cabelo e barba brancos e compridos, o mais velho dos doze.
— Há seis meses — continuou o velho rei —, uma patrulha enviada em direção ao segmento sul das Montanhas Dorsais relataram grupamentos de orcs indo na direção norte, com trilhas próximas ao sopé das elevações. Três meses atrás, uma segunda patrulha enviada à mesma região não se deparou com nenhum dos asquerosos seres, mas me deram garantias de trilhas recentes também no sentido sul-norte, desta vez mais afastadas das montanhas e mais próximas aos limites de nossa região. Ontem, recebi mensageiros de Elsbert, o último vilarejo antes da descida aos Pântanos da Putrefação.
— E o que foi encontrado em Elsbert, meu senhor? — perguntou o sacerdote.
O rei Gustavo hesitou por um instante para encontrar as palavras certas mas, ao perceber o desgosto de seu líder, quem acabou respondendo foi Baltazar:
— O que não foi encontrado, deve-se dizer. Casas foram destruídas, plantações queimadas e vidas ceifadas. Não sobrou nenhum cidadão vivo para contar a história.
— O que me deixa mais intrigado — continuou o rei — é que não fomos avisados de nenhuma investida contra Esbert. Nenhum cerco, nenhuma pilhagem, nenhum motivo factível para tal atrocidade.
— O vilarejo é pequeno e distante — continuou o sacerdote Afonso —. Eu me recordo de ter ido lá apenas umas duas vezes em minha vida religiosa. Geralmente os monges é que são destinados a tais locais mais remotos.
Gesticulando com as mãos elevadas, Túlio, o representante comercial, manifestou-se:
— Apesar de não ter notícias de orcs perambulando por aí desde que eu era criança, não me surpreendo. Cada vez mais aqueles pântanos do sul se expandiam em nossa direção... — com a mão direita tremendo levemente, tomou um gole do copo d'água que se encontrava em sua frente na mesa. — Só pararam quando encontraram a Escarpa Argoniana. Pelo menos o relevo não deixou a pútrida infestação subir... Sabe-se lá que que tipo de criaturas vivem naquele lugar! Orcs... goblins... e mais o quê?
— Acalme-se, Túlio — disse-lhe o sacerdote Afonso. — A Divindade nos protegerá de qualquer mal. Tem sido assim há oitocentos anos, desde que Ela enviou a Landeral o poder que expulsou aquelas criaturas e as confinou nos pântanos!
— Cultuamos a Divindade — continuou o rei Gustavo —, mas também sabemos que ela nos deu forças para trabalhar e lutar. Portanto não podemos ficar de braços cruzados.
— Vou imediatamente designar uma patrulha para investigar o ocorrido, meu senhor — disse-lhe Baltazar. Para ir além do que já sabemos.
Túlio interpelou:
— E o que "já sabemos", Baltazar? Está nos escondendo algo, conselheiro? O que os orcs queriam com o vilarejo Elsbert, aquele fim de mundo?
O rei Gustavo e Baltazar se entreolharam. O rei se manifestou:
— Eu, como seu rei, devo manter vocês por dentro de toda a situação. Os oficiais de Baltazar o informaram que encontraram marcas por todo o chão. Pegadas gigantescas, feitas por uma criatura muito grande. Em vários locais, junto das pegadas, marcas semelhantes ao chicotear de uma cauda.
Baltazar finalizou:
— E cinzas, meus caros, muitas cinzas restantes do grande incêndio que consumiu a cidade. Se tais seres não tivessem deixado as histórias de Landeral há mais de oitocentos anos, eu diria que a triste sina do vilarejo de Esbert fora causada por um enorme dragão.
Ao redor da grande mesa circular, os representantes de Azon ficaram mudos.
— Pela Divindade... — murmurou o sacerdote.
Do outro lado de uma parede falsa, por detrás de um enorme quadro antigo pintado a óleo retratando um rei de outrora, uma garota de dezoito anos ouvia toda a conversa. Um nó na garganta de Helen se formou após a última declaração que escutou: "um enorme dragão"!
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Antúrië - A Espada Élfica do Pôr do Sol [EM ANDAMENTO]
FantasyQuando as sombras ressurgem dos Pântanos da Putrefação, somente algo muito poderoso pode rechaçá-las para o lugar de onde vieram. Conheça as aventuras do elfo Melónmë e do anão Dulin nas terras de Landeral!