Capítulo 3 - Caçadores em Fuga

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Ao todo, o grupo de orcs era composto por doze guerreiros. Nem em suas melhores possibilidades Melónmë acreditaria que seria fácil libertar os três anões cativos.

Entretanto, Dulin estava irredutível:

— Sem acordo, elfo! Ou libertamos meus amigos, ou nada de prosseguirmos viagem! Você quer ir até a forja, pois bem, eu o levarei até lá! Entretanto, não necessariamente eu havia especificado que seria de imediato!

— Vamos, Dulin! Não seja tão teimoso! O que um elfo e um anão sem uma única espada sequer podem fazer contra doze orcs?

— Continue viagem, Melónmë! Indicarei-lhe o caminho! Eu irei depois de resgatar meus companheiros! Caso eu não chegue, saberá que minha alma já haverá partido deste mundo, mas não abandonarei os anões!

O anão não negava o sangue que corria em suas veias. Sua raça de guerreiros valorosos, ferreiros formidáveis e reis ambiciosos também era marcada pelo forte laço de amizade e confiança que depositavam entre si. Por isso as cidades anãs prosperavam. Por isso sua sociedade ainda permanecia unida, mesmo que debaixo da superfície.

Melónmë poderia ter abandonado o anão ali mesmo e voltado para a Floresta Azul. Outra opção seria seguir para as Montanhas Nevadas e tentar convencer outro ferreiro anão a lhe transmitir seus conhecimentos. Porém, dadas as desconfianças entre elfos e anões, esta alternativa se mostrava até mais difícil do que enfrentar aqueles doze orcs.

— Tá bom, Dulin, tá bom. Vamos fazer o possível para resgatar seus amigos. Mas você terá que me ajudar!

Dulin não era guerreiro. Era um excelente mestre ferreiro, isso ele era, mas suas habilidades estavam na produção dos melhores instrumentos para combate e não na luta em si.  Mesmo assim, o sangue anão falou mais alto e ele estava disposto a arriscar:

— Melónmë, se tivermos sucesso neste resgate, prometo pela Divindade que minha dívida com você aumentará mas será paga!

— Não vamos pensar nisso agora, Dulin. Precisamos chegar mais perto daquele grupo de orcs.

Assim, elfo e anão se esgueiraram pela relva alta da savana, sempre tomando o cuidado para que o vento não levasse seu cheiro ao grupamento de criaturas. Ao chegarem a uma distância ainda segura, ouviram as discussões, num idioma sombrio que só era usado nas regiões mais pérfidas de Landeral:

— Ora, Orbbak! Já deveríamos ter trucidado estes anões nojentos! Carne fresca e sangue quente!

— Cale essa boca imunda, Baruakk! A ordem do grande mestre era trazer o ferreiro vivo! O imprestável do Grúnik deixou o anão fugir, mas ele e seu grupo já pagaram por isso com as suas vidas! Nós é que não iremos retornar aos Pântanos da Putrefação com nada nas mãos!

Com sua audição aguçada, Melónmë ouviu ainda que, além do grupo orc que ele havia espantado da Floresta Azul ao salvar Dulin ter sido executado como punição pela falha, uma nova ordem para capturar o anão havia sido dada, vinda dos longínquos Pântanos da Putrefação, a fronteira sul do continente. O elfo tentou imaginar quem seria o tal grande mestre que comandava essa investida de orcs mas, sem sucesso, voltou sua concentração ao objetivo urgente do resgate.

Os orcs pareciam determinados. Um confronto direto seria suicídio. A inteligência deveria prevalecer.

Melónmë já tinha arquitetado um plano em sua mente. O sol se pôs completamente e a noite se assomava sobre a savana.

***

— Fogo! Corram, inúteis! Levantem o acampamento!

— De onde vieram essas chamas, Orbakk?

— Não sei! Não vi nada! E não há aldeia alguma nas redondezas! Não sei o que pode ser!

Os orcs levaram um susto ao verem chamas na vegetação subindo rapidamente em direção ao céu. Subitamente, um rugido reptiliano alto e agudo reverberou por trás da parede de fogo, como que vindo de outro mundo. Acuados, os orcs saíram em debandada para a escuridão. Ao correrem, as chamas se alastraram em sua direção e o rugido tornou-se mais forte.

— Dragão! É Ele! Corram! Dragão!

Assim os orcs fugiram desesperados em direção ao sul, com medo da fera que não podiam ver na escuridão. Enquanto isso, Melónmë e Dulin se dirigiram à jaula que prendia os demais anões.

— Lórin! Rurin! Renin! Que bom que estão a salvo!

— Dulin! Que alegria em vê-lo! Rápido, esconda-se do ataque do dragão!

— Não há dragão algum, meus amigos! Apenas a astúcia de um elfo e a rapidez de um anão!

Realmente não havia monstro algum. Dentre suas bolsas, Melónmë carregava um apito de madeira que simulava o rugido reptiliano e, com seus conhecimentos adquiridos estudando o reverberar dos ventos nos Picos Azuis, ele havia adaptado um dispositivo para amplificar o som conforme sua necessidade. O fogo tinha sido fácil: a vegetação seca da Savana foi banhada com uma solução que continha pólvora e óleo inflamável, cabendo a Dulin e sua pequena estatura a tarefa de percorrer a maior distância possível borrifando a mistura no capim alto. Somando-se isso à escuridão da noite, haviam criado o falso dragão perfeito.

Por um lado, a tarefa havia sido perigosa. Por outro, o grupo que iria à cidade anã nas profundezas das Montanhas Nevadas havia aumentado de dois para cinco integrantes, fator que poderia tornar a jornada mais segura.

Sempre tendo viajado sozinho em suas explorações, Melónmë começou a se acostumar a andar em grupo. Antes que os orcs descobrissem que tudo não havia passado de um truque, o grupo partiu na direção norte e não olhou para trás.

Apesar do relativo sucesso do resgate, Melónmë se pegou pensando no motivo que fez os orcs parecerem que esperavam encontrar um dragão, e no medo que havia tomado conta das criaturas. Ora, dragões eram seres de um passado distante, extintos desde a Grande Expulsão. "Esses orcs devem mesmo ter mente fraca" — raciocinou, e voltou a se preparar para seguir sua jornada.

Antúrië - A Espada Élfica do Pôr do Sol [EM ANDAMENTO]Onde histórias criam vida. Descubra agora