➳ CAPÍTULO 3: FLORES NO CHÃO

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          ELA HAVIA FEITO AQUELE pedido meses atrás. E a lembrança me invadiu como uma avalanche. As palavras saíram de sua boca como se estivesse com medo de eu dizer não. Era fofo. Ela quase não me telefonava, principalmente àquela hora da noite. Então eu supus que era algo importante. De todo jeito, mesmo que o pedido fosse bobo, minha resposta não teria sido diferente. Em todos aqueles anos, eu nunca conseguir dizer não para ela.

          E aquele era um dentre os muitos outros grandes problemas que me atormentavam naquele momento.

          Fechei os olhos e senti a música fluir. Aquele seria meu presente, era para ela e por ela que eu cantava. Cada nota, cada vibração, cada sopro, cada som que eu emitia... Era por ela que eu ainda estava ali. Senti meu coração saltar e um instinto clássico de prender a respiração me invadiu no momento em que as portas se abriram e sua figura angelical apareceu ao pé da porta. Mas, eu não podia, não podia perder o fôlego ou parar a música para admirar sua beleza.

          Estava cantando, assim como me fora pedido, iluminando sonoramente sua entrada. Aquela caminhada mudaria nossas vidas drasticamente... para sempre.

          Ela enveredou até o altar com tamanha graciosidade que, inevitavelmente, pude sentir meu peito doer. Naquela mísera fração de segundo, a agonia me penetrou mais e mais a cada passo que ela avançava. Senti a escuridão me envolver como um cobertor de gelo, senti-me perdida e tudo o que eu mais queria naquele exato segundo era gritar.

          Por sorte, com o peito queimando e a alma ardendo, cantei; ignorei a dor que me assolava e cantei com amor, cantei como nunca havia cantado antes. Meus pulmões imploravam por misericórdia, minha garganta fora atada por um nó invisível e uma lágrima escorreu por minha bochecha.

          Aquele era meu presente de casamento, eu não podia falhar agora.

          Depois de cada nota, finalizei a primeira canção. E, mais rápido do que eu gostaria, ela também acabou. Quando reuni coragem o suficiente e levantei o olhar, Lorena estava de pé no altar, linda como sempre fora. Todos os convidados estavam de pé, alguns choravam e outros apenas mantinham-se atentos a cerimônia. De frente para Lorena estava Erick, carregando um sorriso de orelha a orelha, como se fosse o homem mais sortudo e feliz do universo.

          E, de fato, ele era.

          Georgina lançou um olhar preocupado em minha direção, como sempre fazia quando notava meu tangível desconforto ao encarar o casal feliz por mais de dois minutos. Ela conseguia ler minhas expressões como uma mãe zelosa tem o dom de saber exatamente quando o filho faz besteira. Ela sempre sabia quando eu estava desmoronando.

          — Você tem certeza de que quer fazer isso? — pude ouvi-la sussurrar enquanto a voz de Erick preenchia o ambiente. Ele segurava um microfone na altura dos lábios e entoava seu monótono e pouco crível discurso. — Podemos sair daqui se você preferir. Afinal, você já cumpriu com o prometido. Ela não vai ficar chateada. Sabe disso não é?

          — Vocês estão ouvindo isso? — perguntei, ignorando Georgina completamente, torcendo a testa à medida que Erick continuava seu monólogo. — Esse é o pior voto de casamento que eu já ouvi em toda a minha vida. Isso é sério? Ele não está falando sério. Deve ter tirado isso de algum site ou revista...

          — Tem razão. — concordou Peter, reposicionando os óculos sobre o nariz. Seus olhos azuis brilharam assim que encontrou os de Francesca. — O discurso de formatura de sua irmã estava mais verdadeiro do que essa ladainha que ele está nos fazendo engolir.

          Lancei um sorriso em sua direção em agradecimento. Peter era um bom amigo e, em momentos como aqueles, era preciso estar cercada de bons amigos. Principalmente quando ideias malucas cruzavam sua cabeça e você corria o risco de perder tudo pelo o qual estava lutando para preservar.

          Mas ainda havia mais uma música para cantar.

          Era a vez de Lorena dizer seus votos e senti meu corpo tremer quando, do outro lado, seus olhos me encontraram. Haviam lágrimas, apenas lágrimas. Ela me encarou por alguns segundos, longos o bastante para que algumas pessoas seguissem seu olhar de encontro a mim, longo o bastante para me fazer questionar se nossas decisões foram corretas no final; ela me encarou por tempo o suficiente para que eu perdesse o resquício de controle e dignidade que ainda me restavam.

          Sem desviar o olhar, eu agarrei novamente o microfone e deixei que as palavras saíssem em um tom ritmado e cheio de nuances, navegando por diferentes timbres e alturas, explorando notas e atravessando a capela em forma de música. Eu não conseguia tirar os olhos dela. E, assim que eu comecei a cantar, um sorriso surgiu em seus lábios.

          Ela conhecia a música.

          Era nossa música.

          Nossa declaração mútua de amor.

          — Eu poderia dizer mil e um motivos que justificassem essa situação e o quanto eu me arrependo. Poderia inventar cem desculpas e chorar. — Ela disse, retornando seu olhar para Erick. — Mas nada disso seria justo. — Lorena suspirou e olhou para mim outra vez. — Nada disso é justo.

          Senti meu corpo tremer.

          O que ela estava fazendo?

          A música parou. Minha voz não mais preenchia o ambiente e um silêncio sepulcral pairou sobre todos nós. Lorena atirou o buquê de flores no chão e, após sussurrar um pedido de desculpas, disparou porta afora; deixando a capela, os convidados, o noivo, o juíz de paz, os músicos e eu para trás.


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