A caverna dos sonhos

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O caçador abria caminho em meio à densa vegetação com seus dois machados, cortando as trepadeiras e os ramos que bloqueavam a passagem.

Branca de Neve seguia alguns metros atrás dele, ouvindo vozes estranhas que murmuravam por entre as árvores.
— O que é isso? — ela perguntou. Não conseguia entender as palavras, mas
elas continuavam a chamar por ela, implacáveis.
— Não dê atenção a elas — Eric disse e golpeou alguns espinheiros com seu machado.
— A Floresta Sombria ganha força de suas fraquezas.

O caçador continuou. Branca de Neve voltou a segui-lo, mas o caminho se fechou atrás dele. O espinheiro atingiu o vestido dela. Agarrou o tecido leve e o puxou, os galhos se retorciam no linho grosso não a deixando prosseguir.

Quando olhou adiante, mal podia ver Eric. Trepadeiras se estendiam das árvores e se enrolavam em seus pés. Os galhos das árvores se inclinaram a apenas alguns centímetros de seu rosto.

— Caçador! — ela gritou. Ela empurrava os galhos para trás, tentando escapar, mas era inútil. A floresta a engolia. Quanto mais lutava, mais as trepadeiras cresciam como molas espessas ao redor dela.
Folhas se espalhavam em todas as direções, bloqueando sua visão. Estava ficando difícil respirar. Tentou levantar seu pé, mas um ramo havia
crescido sobre um de seus dedos. Forçou até que ele estalou.
— Caçador!

Então, finalmente, ouviu passos em algum lugar além do emaranhado verde. Um machado cortou as trepadeiras que a agarravam, passando a milímetros de seu braço direito. Depois, cortou a mata à esquerda e acima dela, os galhos quebrados e as folhas caíam aos seus pés em grandes montes. Ela avançou,
mas seu vestido ainda estava preso, aquele ramo grosso e espinhoso se recusava a soltá-la

O caçador puxou uma adaga de seu cinto. Pegou um punhado de pano do vestido da jovem, o cortou e a libertou. Branca de Neve olhou para seu vestido, que agora revelava a maior parte de sua coxa esquerda, cortado tão curto que se perguntou se ele viu sua roupa de baixo. Cravou os olhos nele, o calor subiu pelo rosto.
— Não se lisonjeie, princesa — resmungou. Então, começou a correr, como se a punisse. Ela ficou chocada por um segundo e ele tomou a lideranç a que precisava. Teve de correr para alcançá-lo.

Enquanto corria, seu corpo inteiro estava tenso, as mãos fechadas em punho. Ela o odiava. Odiava o sorriso presunçoso que aparecia em seu rosto quando zombava dela ou como ele sempre sabia para onde estavam indo, mesmo quando a floresta era igual em todas as direções.

Mas, principalmente, ela odiava precisar dele: para liderá-la, para libertá- la de alguma terrível planta devoradora de gente ou para salvá-la do idiota do Finn.
— Então, me diga, caçador — disse, quando finalmente o alcançou —, você bebe para afogar sua tristeza ou sua consciência?
Eric parou, seu rosto corado de tanta bebida da noite anterior.
— Por que se preocupa se eu bebo? — perguntou para ela, olhando em seus olhos. Ela não vacilou.
— Acredito que o empreguei para me levar a algum lugar — sorriu, sabendo que tinha um argumento. O caçador retrocedeu e cortou os densos bosques com os dois machados,
golpeando os galhos com mais força que o necessário. Alguns galhos quebrados atingiam o rosto de Branca de Neve.
— E eu acho que reis, rainhas, duques e princesas não devem meter o nariz na vida de pessoas comuns.

— Mas você serviu à rainha...— Parou, lembrando-se do rosto dele na clareira. Ele ficara muito quieto quando Finn mencionou sua esposa.
— Ela o pagou bem? — Tentava voltar àquela conversa.
— O que foi combinado?
O que quis? A rainha fez uma promessa que até ela não poderia cumprir?
Eric parou, descansando sua mão sobre um tronco.
— Não pagou o suficiente —
mentiu e retomou o caminho, abrindo a trilha com seus machados.
— A realeza faz isso, veja você. Paga uma ninharia para que outros lutem suas batalhas.
Branca de Neve balançou a cabeça. Sabia que ele tentava mudar de assunto, mas não se importou. Quem era ele para falar mal de sua família?
— Meu pai lutou suas próprias batalhas, obrigada — rosnou.
A floresta se abriu diante deles. O caçador baixou seus machados. Assim que entraram em uma clareira, ele acelerou os passos e se distanciou dela.
— Seu pai. — Soltou uma risada presunçosa. — Foi ele quem deixou o diabo cruzar a porta. É culpa dele que o reino esteja mergulhado nas trevas.
Branca de Neve saltou sobre um toco de árvore podre. Ficou olhando para as costas de Eric, seu rosto vermelho de ódio.
— Vigie suas palavras, caçador.
Ele virou e encontrou o olhar ferino dela.

Branca de Neve e o caçadorOnde histórias criam vida. Descubra agora