2. Você querendo ou não, é isso

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Ully é uma dessas pessoas que vive na base de pesadelos todo dia. Certo, talvez não todo dia, mas você entendeu a hipérbole. Nessa noite não foi diferente. Acordou desesperada e tossindo, com suor escorrendo pelas costas. Não conseguiu processar o que tinha sido tudo aquilo, aquele sonho tinha sido mais intenso do que os outros.

Foi um pesadelo muito ruim. Foi triste. Só se lembrava de ouvir "você vai ficar bem" e do calor do fogo, por mais que fizesse de tudo para esquecer esse dia e recomeçar do zero. Era simplesmente impossível deixar ir, estava tudo colado a ela de forma permanente. Exceto é claro, pelas pessoas que estavam presentes no incêndio e não passaram daquele dia.

Ao olhar para o relógio do lado da cama, viu marcado 03:57. Nesses momentos, se sentia mal por não ter para onde correr. Ela não tinha para quem ligar ou alguém para conversar sobre isso a essa hora sem que estivesse incomodando. Infelizmente, não conseguiu dormir de novo. Esperou dar a hora e saiu para o trabalho adiantada, evitando a cafeteria para não ter que conversar. Queria ficar sozinha e ainda não estava no seu melhor. Não conseguiu deixar de pensar no detalhe de que nesse sonho ela tinha família. Se a mãe tivesse sobrevivido, a odiaria?

Ela se sentou num banco de rua, em uma esquina que encontrava com outra, e sentiu a brisa leve passar pela ponta do nariz, balançando seus cabelos pelo rosto gentilmente e produzindo um som terapêutico nas copas das árvores. Com alguns minutos começou a se sentir melhor, até que seus batimentos cardíacos se aceleraram, como se algo estivesse por vir. Chegou a se levantar para ver se tinha algo por perto, mas não estava vendo ninguém. Foi aí que uma rajada de vento agressiva passou por ela, levantando tanto seus cabelos que cobriram seu rosto, grudaram na boca e pinicaram os olhos. Assim, alguém esbarrou nela de forma tão certeira que os dois tropeçaram.

Oh, azar.

Mesmo que ela tenha tentado se segurar no braço do banco, só o arrastou com ela e não serviu de nada. Os dois caíram e por algum motivo, não bateram no chão. Quando ela conseguiu tirar tudo aquilo de cabelo do rosto e enxergar alguma coisa, viu algo e olhou duas vezes. Como explicar... Isso? Um vórtice, uma sala de espelhos, um túnel desgovernado e com certeza enjoo poderiam ser bons exemplos. Ela quase xingou quem quer que tivesse derrubado ela, mas antes de falar qualquer coisa, questionou se tinha mesmo acordado.

Quando se virou, viu a pessoa que esbarrou nela. Um rapaz de cabelo curto e preto, cortado na altura dos olhos e laterais baixas. A blusa escura tinha barras gastas, acompanhando a pele clara. Ele devia ter batido a cabeça, parecia desnorteado.

Com nem dois segundos, ela caiu na grama com um baque forte e o rapaz ao seu lado. Olhou para cima e viu o banco que tinha tentado se segurar caindo de dentro do vórtice, se arrastando para trás um pouco destrambelhada e logo depois puxou o rapaz, o salvando de se machucar muito. Verificou e ele ainda estava meio zonzo.

Foi aí que notou que não estava sentada num asfalto duro, cinza, frio e áspero. Olhou ao redor e se viu em uma clareira com uma floresta ao redor, com uma cidade pouco distante. Encarou o horizonte como se fosse uma alucinação.

— Como que eu cheguei aqui? — perguntou, sentindo a pressão um pouco baixa e levando os dedos até as têmporas.

O rapaz murmurou alguma coisa, se apoiando em um punho e reclamando de uma dor de cabeça.

— Você está bem? — questionou, o observando mais de perto.

— Você passou comigo? Deuses, eu sou muito irresponsável! Burro, burro, burro! — reclamou, batendo o punho fechado contra a testa. — Eu não acredito que trouxe uma humana para cá...

— Como assim "uma humana"? Você é tão humano quanto eu. Acho. E onde estamos, como eu cheguei aqui?

— Primeiramente, eu não sou humano. Pelo menos não tanto quanto você. E segundo, não é o tipo de situação que se deve explicações. Eu tô ferrado e você é um problema. 

Draconis | Do que você é capaz?Onde histórias criam vida. Descubra agora