Ravi
Ravi não sabia o que fazer ou falar. Mesmo com tudo o que aconteceu, ele jamais esperou passar pela situação na qual se encontrava neste instante.
Ele estava sentado no sofá da antiga recepção do Hotel das Cataratas. Seus olhos iam de Tabata para Dalila, como em um jogo de pingue pongue, e nenhum dos três se atrevia a dizer palavra alguma. Tabata estava com os cabelos desgrenhados, e roupas largas demais para seu corpo, o que o levou a se questionar se ele ficava em um estado tão deplorável assim também quando ficava dias e dias trancado no quarto. Dalila, por outro lado, estava usando as roupas mais formais de que dispunha, e seus cabelos estavam presos atrás da cabeça, sem nenhum fio fora do lugar.
Ambas estavas com enormes olheiras, e com o rosto abatido, o que ele sabia, também era a sua situação.
Ele não se atreveria a sair dali até Dalila mandar ele e Tabata saírem. Não neste momento.
O único problema era que o cérebro de Ravi era hiperativo, e ele não conseguia manter o foco por tanto tempo, então não foi surpresa alguma quando se viu preso em devaneios.
O primeiro lugar onde sua mente o levou foi para o dia da queda do avião. Eles não conseguiram encontrar os destroços, que haviam caído em algum ponto dentro dos mais de cento e oitenta mil hectares do Parque Nacional do Iguaçu. Ravi ainda se perguntava se aquele avião era tripulado, e se fosse, se haveria algum sobrevivente perdido pela mata. Será que aquele avião havia ido até ali por causa de sua mensagem? Talvez aqueles fossem apenas os primeiros.
— Eu criei a cura.
Ravi voltou a si. Incerto se realmente havia escutado o que achava ter escutado.
— O que?
Seus olhos se focaram em Dalila, que ainda continuava parada como uma estátua, com os olhos observando o vazio. Após longos dez segundos ela voltou a dizer.
— Eu criei a cura.
Em seguida ela começou a rir. Ravi e Tabata trocaram um longo olhar expressivo, em dúvida do que fazer ou fazer. Mas não foi preciso mexer um músculo, pois Dalila continuou falando.
— Não é irônico? Eu passei meses trancada em um laboratório e em uma biblioteca, raramente vendo a minha filha que estava doente, lutando para sobreviver, e no momento em que finalmente consigo desenvolver uma cura e tenho tempo para ficar com minha filha, que agora poderá ter uma vida longa e próspera, graças a cura que eu desenvolvi, ela morre.
Não demorou muito para a risada dela se transformar em pranto.
Era isso. Ravi não conseguiria continuar ali. Enquanto Tabata confortava a irmã, ele simplesmente virou as costas e se dirigiu até o espaço para café da manhã, onde o pequeno corpo de Leonor jazia em um caixão branco. Aquilo era errado. Caixões não deveriam ser feitos em tamanhos tão pequenos.
Sua sobrinha havia falecido há mais de um dia. Ela merecia descansar em paz.
Ravi afagou os cabelos da menina, sujando-os de terra, e se dando conta de que ainda estava sujo por ter cavado a cova.
Os fragmentos das últimas vinte e quatro horas o atingiram em cheio.
Ele e Tabata estavam voltando para casa, suados e cansados, depois de mais um dia de buscas pelo avião ou por qualquer sinal de sobreviventes. Quando estavam no topo das escadas ouviram o grito macabro de Dalila, que fez todos os cabelos de sua nuca se eriçarem. Naquele momento um instinto primitivo lhe disse que jamais voltaria a ver sua sobrinha. E foi o que aconteceu.
Após ele e Tabata lutarem para tirar Dalila do quarto e dar um tranquilizante para ela, Tabata cuidou do corpo de Leonor e de todos os demais preparativos, como vesti-la, ir atrás de um caixão, e todo o resto. Ele por outro lado, não tinha o sangue tão frio.
Ravi sequer havia conseguido ver o corpo de Leonor. Tudo o que fez após acalmar Dalila foi pegar uma pá, e ir até o gramado em frente ao hotel, onde se pôs a cavar sem parar, como se não houvesse um amanhã, e como se seu corpo houvesse sido construído única e exclusivamente para isso. Ele provavelmente havia até cavado demais, pois só parou quando Tabata o chamou, fazendo-o perceber que ele sequer a havia visto retornar do centro da cidade.
— Você está chorando?
Ele levou a mão suja à própria face e se deu conta que realmente estava chorando. Aquela era a primeira vez em muito tempo que isso acontecia. A última vez tinha sido quando seus pais morreram.
Ele tentou formular uma frase ou pensamento coerente, mas a única coisa que foi capaz de dizer foi um simples:
— Não é justo!
Após isso as horas se arrastaram lentamente enquanto os três velavam o corpo da menina, todos em estado catatônico. Ele sequer saberia dizer quando foi que Dalila havia despertado do sono provocado pelos tranquilizantes, pois quando ele e Tabata entraram no hotel ela já estava ali sentada.
Agora ele estava ali, em pé diante do diminuto caixão. Dalila se aproximou, ainda abalada, e colocou a cabeça em seu ombro, enquanto chorava e observava o corpo da filha. Eles tinham pouquíssima diferença de idade, mas ela sempre havia agido como a irmã mais velha. Entretanto, neste instante, ela parecia a caçula, e ele tinha que assumir o seu cargo de primogênito.
— Acho que está na hora...
— Eu sei... mas, não consigo fazer isso.
— Não se preocupe, eu cuido de tudo.
O tempo se passou ridiculamente rápido, de uma maneira completamente errada. Tabata e Dalila ficaram dentro de casa, enquanto ele levava o caixão, o colocava dentro da cova, e jogava a terra sobre ele.
No final de tudo, ele ficou ainda mais sujo, e o tempo estava se armando para uma tempestade que prometia ser grande.
Todo o corpo de Ravi doía, da ponta dos dedos dos pés até a nuca. Após terminar de cobrir o caixão com terra ele se arrastou até seu quarto e se enfiou embaixo do chuveiro com água quente, e ficou ali por um tempo incontável, sem sequer tirar suas roupas. Ele chorou mais uma vez. Agora eles eram apenas três, faltava um.
Quando Ravi se deu conta, já estava limpo, usando roupas secas, e deitado em sua cama. A chuva já havia começado, e tinha vindo acompanhada de raios e trovões.
Ele estava começando a pegar no sono, finalmente dando uma pausa em toda a dor e sofrimento que aquele dia tinha trazido, quando foi despertado por um som que jamais imaginou escutar novamente um dia.
Alguém estava tocando a campainha na porta de entrada do hotel.
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Reunião após o fim do mundo - Livro 3
Science FictionO Mundo acabou, e restam poucos sobreviventes. Paolo e Marcus chegaram à Foz do Iguaçu, onde vão procurar pelos misteriosos sobreviventes que enviaram a mensagem, enquanto correm contra o tempo para tentar salvar a vida de Isla, que está com seus d...