Capítulo 4 - Quando uma árvore cai

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Tabata

Tabata realmente não estava bem. Ela se controlou da melhor forma que pode para aguentar a morte de Leonor, mas era como uma represa sem escoamento.

Quando aquele cara falou aquilo, independentemente de ser verdade, ou não, a represa simplesmente transbordou, e a única coisa que ela conseguiu fazer foi sair correndo de lá, e se enfiar dentro da floresta, que para ela, agora era mais um lar do que aquele hotel idiota.

Ela andou até suas pernas doerem, sem prestar a menor atenção de para onde estava indo, o que era uma estupidez, pois considerando o número de animais selvagens que havia ali, e que eles estavam circulando praticamente sem contato algum com humanos nos dois últimos anos, ela seria uma presa fácil, mas Tabata só se deu conta disso quando suas pernas vacilaram devido ao cansaço e ela desabou, chorando.

O choro veio livre. Ela chorou por seus pais, por seus amigos, por sua sobrinha... ela não tinha mais uma perspectiva, nem sequer uma pequena esperança do que viria a seguir.

Foi quando ela ouviu o piado, e se deu conta a ave parada a poucos metros dela, branca e imponente. Uma harpia.

Antes do fim do mundo, aquilo nunca seria possível, mas agora era, graças a ela e Leonor.

A ave continuou a encarando, como se fossem velhas conhecidas, baixou a cabeça em uma espécie de cumprimento e então levantou voo, indo embora.

Tabata se lembrou daquele dia especifico, no começo de janeiro de 2026, algumas semanas depois de o meteoro cair e o vírus se espalhar. Praticamente todas as pessoas de Foz do Iguaçu já haviam perecido, e ela, seus irmãos e sua sobrinha já terem ido para o Hotel das Cataratas. Leonor estava muito aborrecida, e ela muito entediada. Eles ainda tinham um gigantesco estoque de alimentos.

Pra aplacar o tédio, ela decidiu levar Leonor até o zoológico Bosque Guarani, para ver os animais, sem pensar a respeito do que aquilo poderia significar.

A viagem de carro foi tranquila. No caminho elas não cruzaram com nenhuma viva alma. Aquilo era perturbador, mas ela não disse palavra alguma, nem demonstrou reação nenhuma, para não assustar a menina.

Ela passou por várias estações de rádio, a procura de alguma música, mas nenhuma estava sintonizando. Todas já estavam fora do ar.

Ela pisou fundo no acelerador e seguiu, sem dar a menor atenção aos semáforos que estavam piscando aleatoriamente, alternando entre o vermelho, o verde e o amarelo.

Fora o som do carro, tudo na cidade era o mais completo silêncio.

Finalmente elas chegaram ao Bosque Guarani, e Leonor saiu correndo na frente, em disparada na direção da jaula dos macacos, seus animais preferidos.

Tabata não a impediu, simplesmente deixou a menina correr livremente.

Mas após poucos segundos seu coração gelou com o som do grito agudo de sua sobrinha. Ela correu em direção a voz, e encontrou a garota assustada, chorando.

— O que houve?

Leonor simplesmente esticou sua mão em direção a jaula, onde para espanto de Tabata, os macacos estavam ensanguentados, e mortos, com apenas um ou outro sobrevivente.

Aquela era a lei natural das coisas. Não havia mais alguém que os alimentasse, então já que estavam presos e não podiam buscar alimentos por conta própria, eles haviam devorado uns aos outros.

De imediato seu estomago se embrulhou, e ela pegou Leonor no colo e fugiu dali, a colocando no carro e voltando para o hotel.

Leonor havia ficado traumatizada por dias após aquilo, e nenhuma das duas contou o que haviam visto no zoológico. Mas enquanto dirigia de volta para casa, Tabata sentiu pena dos animais, e tomou uma decisão. Deixou Leonor no hotel, e deu meia volta, primeiro parando no Parque das Aves, que era o local mais próximo, e abrindo todas as gaiolas e jaulas. Depois seguira até o bosque guarani, fazendo o mesmo, e por último, tinha ido até a Itaipu Binacional, no Refugio Biológico Bela Vista.

Naquele dia, todos os animais que ainda estavam vivos tinham sido libertos, e Foz do Iguaçu havia começado a se tornar um ambiente dominado por feras selvagens.

Muitos meses haviam se passado agora. Os animais haviam se adaptado muito bem sem a presença de humanos, e como eles já não dispunham mais de um grande estoque de alimentos, era uma ajuda bem vinda o fato de ter animais selvagens livres, com os quais eles podiam se alimentar.

Outra possibilidade eram as chácaras e pequenas fazendas, que tinham vacas, cavalos, ovelhas e porcos, mas que ficavam muito distantes para transporte.

Por aquele breve momento, enquanto pensava em todos os animais vivos naquela cidade pequena, ela se esqueceu de tudo o que a estava deixando infeliz.

Ela olhou para o céu, onde as primeiras estrelas já pontilhavam a imensidão escura, e jurou para Leonor que não desistiria, por ela.

Tudo estava completamente silencioso, e por poucos segundos, nem mesmo os insetos fizeram som algum.

Tabata pensou em um velho ditado que dizia: "Se uma árvore cai na floresta e ninguém está perto para ouvir, será que faz um som?".

Nenhuma árvore caiu. Mas ela ouviu um som. Um ruído que jamais pensou ouvir novamente após o fim do mundo.

Alguém havia disparado uma arma.

O coração de Tabata se acelerou, e mais uma vez ela foi tomada por um incontrolável surto de adrenalina.

Suas pernas pararam de doer e ela começou a correr em direção a casa. Ela tinha certeza absoluta que o som havia vindo de lá.

O tempo pareceu se passar em menos de um segundo. Quando Tabata se deu conta já estava atravessando a porta de entrada, encontrando Dalila ajoelhada aos prantos, com uma arma velha nas mãos, e Caetano abaixado sobre o corpo de Ravi, que estava todo ensanguentado.

Caetano levantou sou olhar para Tabata, ridiculamente calmo, e se limitou a fazer um pedido.

— Por favor, tire a sua irmã daqui, leve ela para tomar um ar, ou uma água com açúcar, qualquer coisa, mas ajude ela a se acalmar.

Tabata não soube porque exatamente, mas ela simplesmente obedeceu. Foi até Dalila, tirou a arma de suas mãos, a jogando no sofá, e a tirou dali, sem encontrar resistência alguma. 



*****


Olá possível leitor/leitora, tudo bem?

Espero que esteja gostando da história, desculpe pelos erros ortográficos. 


O próximo capítulo sairá dia 03/01/2020. 

Rumo a reta final agora, com capítulos sempre as segundas e sextas. 


Abraços. 

Reunião após o fim do mundo - Livro 3Onde histórias criam vida. Descubra agora