I- Uma hora

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Muitos dizem que a escola é lugar onde todos fazem amigos e trilham seus futuros, a meu ver o homem que disse isso merecia um soco no rosto, tal como aquele que teve a brilhante ideia de criar um lugar onde vários adolescentes com opiniões diferentes conviviam durante metade do dia, e quando não queriam se matar estavam querendo matar professores em sala de aula. Sinceramente as coisas estavam claramente desbalançeadas, não era justo que com 14 anos eu fosse só um garoto franzino de 1,66 enquanto os outros caras eram brutamontes de 1,75.
Um desses brutamontes em especial se chamava Chuck, e digamos que não gostava muito dele, talvez pelo prato de sopa que ele jogou dentro da minha blusa do quarto ano, ou pelo soco no rosto no sexto, de qualquer forma eu o odiava profundamente, não por tudo que ele fazia para me humilhar, mas simplesmente por Chuck ter afastado a todos que se aproximavam de mim durante minha vida, fosse com ameaças ou me fazendo parecer um idiota ele era meu demônio pessoal, e naquela sexta feira em específico ele parecia ter resolvido trazer o inferno todo.
Para muitos Londres era uma cidade alegre e amistosa, para mim estava sendo uma tarde preso na sala quente e fedorenta do zelador Mickel, Chuck havia feito questão de me trancar no lugar ao começo do dia, e desde a terceira aula eu só podia ouvir a professora perguntando por Raphael Apport nos microfones da escola, e como é de se imaginar eu não podia responder.
Quando a quinta aula começou eu por um momento fiquei feliz, digamos que educação física não era minha matéria favorita, é claro, nada contra ficar correndo e soando sem camisa por um gramado enquanto metade dos caras enormes da escola tentam te acertar com a bola, mas preferia ficar ali por uma semana a ter de cheirar mais um sovaco de jogador de Rugby por uma aula inteira. Enquanto apreciava o fato de não precisar correr pelo campo, alguma entidade pareceu ouvir minha alegria, e então acabar com ela, pois dois minutos após a quinta aula começar o senhor Mickel abriu a porta com aquela cara fechada, quase não dava para perceber devido a barba e as sombrancelhas grossas mas ele parecia surpreso em me ver tanto quanto eu a ele, o velho franziu o cenho enrugado e esbranquiçado e coçou a cabeça por cima do boné enquanto me analisava, provavelmente procurando uma forma de perguntar o motivo de eu estar ali, por outro lado eu não lhe daria esse gosto, então resolvi falar primeiro.

- Eu derramei um pouco de amônia na aula de química então vim pegar um pano para limpar, acabei ficando preso.

- Ok.

Eu sinceramente esperava um resposta melhor que um simples "Ok" mas pelo visto ele só não se importava com o que os alunos faziam, e em seu lugar também não ia ligar para também, digamos que não era nada interessante.
Quando cheguei a aula de educação física o professor não parecia nada contente em me ver, ele abaixou seu óculos e me analisou com certo desgosto enquanto eu me aquecia para entrar, então ele veio em minha direção ainda com a cara decepcionada enquanto limpava o óculos na blusa, e parou também para marcar uma falta cometida pelo meu "amigo" Chuck, então o homem assim que chegou a minha frente colocou a mão em meu ombro e balançou a cabeça negativamente.

- Garoto, você está atrasado.

- Eu sei eu...

- Infelizmente vai ter que ficar fora do jogo hoje, eu sei, é triste, mas tenho que segurar as rédeas, agora pro chuveiro.

Eu mal conseguia segurar minha alegria, apesar de tentar esboçar um rosto decepcionado para não ferir o ego do professor, aquele esporte parecia ser importante para ele, por mais que eu achasse tosco.
Apesar de não ter nem chegado a entrar em campo o professor me mandou direto para o vestiário tomar um banho, o que eu não cheguei a fazer visto que a aula de biologia da Srt. Bennet começaria em apenas alguns minutos, e acho que perder as seis aulas diárias não era a melhor das formas de terminar o ano letivo. Quando cheguei na sala a Srt. Bennet também pareceu surpresa em me ver, eu não costumava chegar tão cedo na sala, mas hoje tinha meus motivos então corri direto para minha mesa e me sentei colocando a cabeça sobre o caderno enquanto a professora analisava as provas no computador. Alguns minutos se passaram e todos começaram a entrar, e como todos que encontrei hoje Chuck estava bastante surpreso em me encontrar na sala, ainda com o cabelo ruivo molhado de suor, e apesar da falta de higiene as garotas estavam parecendo adorar o cara. Uma das coisas que eu nunca entendi na verdade, como alguém tão insuportável podia atrair a atenção de garotas como Nancy Harper, sim, uma das minhas paixonites no colégio, e que agora era a namorada de Chuck, apesar de eu quase nunca os ver juntos, talvez ela não gostasse de bater em garotos menores, e isso já seria um grande alívio.
Quando a professora começou a entregar as notas eu abri um grande sorriso, era a única parte do dia que em que eu iria me sentir um pouco superior a Chuck, que tinha as piores notas do colégio. Logo eu já tinha meu "A" em mãos, e soltei uma risada baixa ao ver o enorme "C+" do meu atual inimigo de escola, apesar de que ter um inimigo com tão baixo intelecto me desvalorizava um pouco, mas gostava de ser melhor que ele em algo, e quanto as garotas, digamos que eu não era a pior coisa do mundo, e entre alguns grupos podia ser até taxado de bonitinho com meu cabelo preto meio bagunçado e o olho azul que ajudava bastante na hora da avaliação, mas aparentemente o modelo magro e baixo não estava na moda, o que podia ser deprimente na maior parte do tempo.
Quando o último sinal tocou dei um suspiro por finalmente poder ir para casa, provavelmente meu pai já estava me esperando para irmos ao cinema, um programa semanal que adotamos após minha mãe ir embora. Não a leve a mal, digamos que ela só tinha que viajar o mundo fazendo escavações para seu trabalho como geóloga, e não dava para levar um pré adolescente e o ex marido para todas elas, então nesse impasse ela escolheu o trabalho, o que não a culpo pois faria o mesmo. Do lado de fora da escola as ruas já haviam começado a ficar escuras e pouco movimentadas, aquele clima escuro e frio de final de tarde que chega a ser um pouco deprimente, então quando achei que estava livre para aproveitar o que me restava do dia, de novo a tal entidade que não parecia gostar de mim agiu para piorar tudo, e em segundos um empurrão forte nas costas me levou ao chão. Meu rosto se chocou contra o asfalto senti de imediato o gosto metálico de sangue em minha boca, e a visão que havia começado a embaçar, só tive tempo de ver o sorriso torto de Chuck em pé a minha frente antes de eu desmaiar.
Meus olhos se abriram rapidamente, e por um momento tive um breve espasmo ao tirar a folha de jornal que cobria meu rosto. Provavelmente devia ter ficado com ela, pois o lugar que eu estava era quase que impossível, o vagão da locomotiva tremia, o que quase não dava para perceber em seus bancos acolchoados, mas dava para sentir o cheiro e também o calor da fumaça vindos da janela, e quando achei que aquele "sonho" não podia ficar pior, me assustei novamente com o homem ao meu lado, ele parecia estar dormindo, e isso não explicava em nada o que estava havendo. Realmente pensei que fosse um sonho por mais dois minutos, nos quais fiquei apenas parado observando o lugar e as pessoas que estavam no vagão.
Após esse tempo finalmente concluí que não podia ser um sonho, o que só tornava tudo mais complicado. As pessoas no vagão pareciam vir diretamente do século passado, homens todos usando ternos, coletes e cartolas enquanto as mulheres usavam vestidos enormes e que as faziam parecer abajures coloridos e recatados, em outros momentos eu daria até uma risada daquilo, mas agora estava em pânico. Minhas mãos começaram a soar e meus braços a tremer, já não tinha controle nenhum sobre meu medo e estava prestes a ter um ataque.

Por trás do RelógioOnde histórias criam vida. Descubra agora