III- Três horas

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Passara se um mais uma semana desde que cheguei a esse lugar, a antiga Londres que agora eu chamava de casa. Era manhã e o sol batia forte contra a janela de meu quarto. Provavelmente era bem cedo já que meu pai ainda não havia vindo me chamar, apesar de eu estar acordado a um bom tempo analisando as falhas da madeira de meu quarto. A pintura estava boa, agora faltava apenas o quarto de meu pai que era o maior, e hoje a programação principal era está, claro, depois de ir pela primeira vez a escola. Por sorte era perto, e não podia ser pior que minha escola de verdade, pelo menos agora eu era alto o suficiente para olhar cara cara um valentão, apesar de ainda não saber brigar e não ter nenhum interesse em aprender.
Me levantei da cama sentindo o chão gelado abaixo de meus pés causar um leve arrepio em meu corpo, o quarto ainda tinha algumas gotas de tinta sobre o assoalho, mas como disse, havia ficado muito bom. No andar de baixo não me surpreendi ao ver Luccas com uma caneca de café sentado a mesa enquanto meu pai preparava algo que aparentava ser uma torrada, o mais velho me cumprimentou segurando uma fatia de pão, já Luccas jogou em mim uma folha do jornal que lia com calma.

- Eu pretendia ler isso depois.

Comentou meu pai enquanto nos olhava agir como duas crianças. As visitas de Luccas se tornaram frequentes já que meu pai o pediu para nos ajudar a pintar a casa, era legal mas agora que só faltava um quarto sentia que aquilo tudo estava prestes a acabar e não queria de forma alguma, até pensei em sujar alguma das paredes com uma tinta de outra cor, mas a julgar por meu pai ele não iria ligar muito, na verdade o careca diria que ficou mais bonito. Especialmente naquele dia eu deveria estar chateado por iniciar na escola de Londres, mas na verdade estava mais alegre que de costume, havia me informado com as garotas das casas vizinhas sobre Diana que estava sumida desde o problema na estrada, elas me disseram que a ruiva estava de castigo por ficar lendo livros que não condiziam com a realidade dela, lendo lorotas sobre mulheres doídas, senti pena dela, pelo que as outras garotas falavam ela era inteligente, a jovem mais inteligente da escola e talvez de Londres, mas não agradava em nada a seus pais.
Durante o café Luccas me deu um presente, uma rosa vermelha que ele disse ter colhido do quintal ao lado de sua casa, meu pai perguntou como ele teve coragem de invadir a horta da velha McLars apenas por uma rosa mas ele deu de ombros e bateu seu corpo contra o meu.

- É um presente para ele dar a uma amiga.
- Uma amiga? Agora eu acredito que tenha valido a pena.

Os dois começaram a falar sobre mim enquanto minhas bochechas ruborizavão de raiva, odiava quando eles falavam das garotas com quem eu conversava, outro dia havia os peguei comentando sobre Violet Harris gostar de mim, a mesma garota de cabelos negros que havia falado sobre a tinta em meu rosto, isso era impossível, tudo bem que as vezes ela chegava cedo a porta de minha casa para perguntar se eu estava, ou que sempre que eu ia caminhar pela estrada ela fazia questão de me acompanhar, mas éramos só amigos, assim como eu achava ser com Diana. Depois do café enfim pude ir a meu quarto me arrumar. Vesti uma camisa cor de creme e uma calça marrom escura, peguei minha pequena bolsa e coloquei um caderno e o lápis, e junto deles estava o tal livro que tanto causou problemas, muito amassado e danificado pela água, apesar de ainda dar para ler a maior parte das coisas.

- Você está preparado para uma nova escola?

Meu pai me interrompeu com sua pergunta enquanto entrava no quarto de sua forma desajeitada e passou o braço em volta de meu ombro enquanto me olhava no espelho. Ele sorriu e depois olhou para mim esperando uma resposta, mas eu não a dei, apenas concordei com ele ainda meio na dúvida, apesar de manter pensamentos bons não tinha certeza de que a nova escola seria verdadeiramente legal e tranquila, na verdade nem mesmo se aquilo era pra sempre ou se um dia voltaria para casa, mas mesmo assim mantive o sorriso no rosto enquanto saia pela porta e me despedia de Luccas e também de meu pai que agora estavam sentados nas poltronas da sala, um com um jornal rasgado e o outro concertando um relógio velho que eu havia deixado cair pela madrugada.
A estrada era bonita e nesses sete dias já a conhecia bem, andei várias vezes em explorações ao lado de Luccas, na maioria das vezes terminando com alguma pescaria ou soneca no canto da estrada, uma vez um homem até jogara uma moeda para mim achando que eu fosse um mendigo, não que eu não parecesse na maioria do tempo, mas hoje estava arrumado e até me passava por bonito com aquele cabelo perfeitamente arrumado. No meio do caminho pela estrada fui surpreendido por uma charrete que vinha rápido, e quando pensei em gritar com o cocheiro meus olhos foram encantados. Os cabelos quase avermelhados brilhavam com o sol, e as sardas que em qualquer outro rosto seriam um estrago, no dela pareciam uma bela obra de arte, droga, eu estava pensando com um bobo, Diana nem olhara para mim da charrete, apenas um curto e breve encarar para a parte gramada da estrada, logo abaixo de uma árvore onde ela costumava sentar com as amigas, um dia não teria sido o suficiente para ela se lembra de de quem eu era? Ótimo, isso só tornaria as coisas mais humilhantes quando chegasse a escola.
Quando cheguei já estava atrasado, constatei que não deveria ter gastado tanto tempo preocupado com meu cabelo, já que a jovem que eu queria impressionar nem havia olhado para mim desde o momento em que entrei na sala, mas agora ela me parecia diferente, com o cabelo arrumado e roupas completamente limpas, como uma princesa muito recatada, e até estava bonita, mas as folhas secas combinavam mais com o tom de seu cabelo do que a pequena presilha dourada que tinha entre os fios.
Eu estava tão vidrado em Diana que nem percebi, mas Srt.Bannet, nossa professora estava logo a meu lado, ela era uma viúva de cinquenta e poucos anos que morava sozinha numa casa negra ao sul de Londres, o único filho havia saído para conhecer o mundo e nunca mais voltou, como eu sabia disso? Aparentemente Luccas era alguém que gostaria de ter uma janela virada para a estrada, já que seu prazer era contar sobre a vida de todos que conhecia, como as senhoras fofoqueiras faziam bem.
A mulher de cabelos levemente grisalhos bateu a régua sobre minha mesa, fazendo um enorme barulho ecoar pela sala, e todos olharem para mim, inclusive Diana, que pareceu notar minha existência pela primeira vez no dia, o que eu estava fazendo? Enquanto a professora me xingava eu lhe lançara um sorriso bobo, e ela apenas arqueou a sombrancelha confusa e depois se virou para o quadro, como se fosse apenas um idiota qualquer, eu podia ser idiota, mas não um qualquer.
Após uma bronca que nem cheguei a ouvir a velha voltou para o meio da sala e continuou a explicar sobre aritmética enquanto a maioria dos alunos nem lhe davam atenção. No intervalo de almoço o ideal era ir para casa, mas a maioria dos alunos vivia longe de mais, e se juntavam na praça em frente a escola para almoçarem. Me sentei sozinho em um canto, era novo e as únicas pessoas que conhecia estavam sentadas em um círculo, em volta daquela que eu tinha vergonha de se aproximar, não entendia o que podia ter feito de tão errado a conhecendo a apenas um dia, mas com certeza fora alguma idiotice bem tosca. Mattew, o irmão mais velho de Diana estava na mesma turma, mas ele e seus dois capangas gêmeos se sentavam ao outro lado da praça, como se fossem bons de mais para ficar perto do grupo, é claro, eu tinha certeza que eles realmente acreditavam ser melhores, o que era uma pena já que eles eram os únicos outros garotos da sala. Desejei que Luccas tivesse a minha idade, assim teria um amigo na aula, mas infelizmente ele era velho demais para a escola, nem sabia se ele havia se formado ou parado de estudar, mas com certeza não podia me fazer companhia ali. Eu saboreava um sanduíche que meu pai havia preparado, o gosto era ótimo por sinal, mas não conseguia prestar muita atenção já que os olhos estavam voltados para o círculo de garotas, então levei a mão ao bolso e retirei a rosa, a mesma já estava amassada e murcha, de uma forma que causaria risadas a garota a quem eu entregasse, então joguei a no chão, e quando o fiz a ruiva do centro do grupo me olhou com uma cara feia, como se não aprovasse minha atitude, eu, talvez querendo provocar fingi ignora-lá, e pareceu dar certo já que logo ela se levantou e começou a vir em minha direção com a cara amarrada.

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