Se tem alguém que sabe o quanto custa um tênis de marca, com certeza é a pessoa que enfrentou seis longos e duros meses trabalhando como servente pra pagá-lo. Nosso herói era conhecido como cara de peixe ou simplesmente peixe. O nome era Walace.
Além do trabalho todo pra pagar, peixe também tinha enfrentado o constrangimento de ir em uma dessas lojas de tênis caros onde foi tratado como um assaltante em potencial.
Afora isso, teve o atendente falando que não tinha nada em promoção, que não fazia crediário, que a loja popular era noutro canto e coisas do tipo.
E como ainda fosse pouco, a menina do caixa pegou o dinheiro com cara de nojo, como se ela não fosse pobre também.
Talvez pra ninguém mais, mas pro peixe, que adorava aquele Adidas branco, tinha valido a pena. Tinha, sim!
Aquele era o seu tênis especial, e por isso, só o usava em ocasiões especiais. Naquela noite, o culto seria especial. Devia ser. E foi. Chuva de bençãos.
Mas quando voltava pra casa, sozinho e desviando as lamas com todo o cuidado do mundo, peixe foi parado por um cara com uma faca. Uma pequena e perfurante faca de serra.
Na rua escura, só os dois e (parecia) todo o tempo do mundo.
O cara pediu o tênis, pediu não, mandou tirar, segurou na manga da camisa do peixe e gritou: Bora, mermão! Quer morrer?
Peixe não queria morrer, mas também não queria entregar o tênis. Tá doido, é? Quer levar uma facada? Peixe não queria levar uma facada.
Acabou levando três: duas na perna, uma na mão. Também levou uns socos e chutes. Só não levou mais porque começou a gritar por socorro o que fez o bairro sair pra ver o que estava acontecendo e o bandido fugir, com medo de ser linchado. Sem o glorioso tênis.
Mais tarde, no Posto de Saúde, peixe tinha acabado de contar a história toda, omitindo apenas a parte em que chorou e os gritos estridentes que deu, quando o PM, que o ouviu, perguntou:
– Quer dizer então, que esse tênis aí, é teu???
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O Absurdo Dos Comuns
Short StoryAlguns minicontos sobre casos cotidianos com um pouquinho de violência e absurdo.