Pra todos os fins, Diego já não concordava com a ideia – equivocada – de que existem dois tipos de mulher: mulher pra casar e mulher pra transar. Muito pelo contrário, discordava veementemente. Tinha evoluído, dizia. Postava.
Mas a verdade é que não.
E ele devia ter sido mais sincero com a mulher. Em vez disso, quando ela perguntou se falava sério, ele insistiu por dias, semanas, até que ela, enfim, se convencesse da mudança.
Era um milagre. E uma oportunidade. Ela pensou, comemorando.
Convencida de que o marido tinha, afinal, evoluído, expandido um pouco a mente e se livrado, pelo menos, desse preconceito bobo, Tereza se sentiu à vontade pra fazer uma surpresa pra ele. Uma noite especial.
Deixaram a filhinha na casa dos avós e foram jantar fora. Depois do jantar, veio a surpresa: ela disse que queria ir ao motel. Seria a primeira vez em três anos de casamento. Porque pra Diego, motel não era lugar pra gente casada. Mas foram.
Tereza disse que seria inesquecível. Dias depois, Diego ainda não conseguia definir se era uma promessa ou uma ameaça. Sem conseguir tirar da cabeça as caras e bocas que a mulher tinha feito, como se fosse outra, tendia a ficar com a segunda opção.
No trabalho, os colegas perguntaram por que andava tão distraído, com cara de preocupado, ele dizia que eram as contas. Eles acreditaram.
Ele até queria conversar com alguém, mas com quem? O que iam pensar da mulher dele? O que iam pensar dele? Diego estava só.
E pensava na mulher, na noite do motel. Que aquilo não era coisa de mulher casada, era coisa de mulher safada. Onde é que ela tinha aprendido aquilo? Na internet? Com as amigas? Com outros caras? Não podia ser...
Sempre fora recatada e do lar, prendada, atenta, limpa. Uma santa. Quando jovem, não vivia saindo, ficava em casa, estudando e ajudando a mãe. Nas noites de domingo, missa. Era Católica. Tinha feito catequese e tudo.
Até os 20, tinha namorado apenas uma vez, com um cara da igreja, umas semanas, nada sério. Tinha se mantido virgem até o casamento. A mãe se orgulhava tanto disso.
Será que era tudo mentira? Era fingimento, será? Seria alguma possessão?
Chegando ao quarto do motel, ela botou uma música no celular e foi erguendo o vestido, devagar, se exibindo, um pouco desajeitada, mas como que dançando, e então, expôs uma lingerie preta, minúscula, com umas tiras e uns detalhes em couro.
E continuou fazendo uns movimentos, molejando o corpo como uma serpente.
Não parecia a dona de casa com quem Diego estava acostumado, servil e passiva. Não parecia nem a mulher de sempre, decente. Parecia uma nem sabia o quê. Dançando daquele jeito. Vestida daquele jeito.
Diego olhava e se perguntava onde é que ela tinha comprado aquilo. Na Marisa é que não!
E na hora, era cada gemido, e ela se torcia toda e falava obscenidades, e passava a mão pelo próprio corpo. Parecia uma atriz pornô! Iniciante, mas sim.
Diego não conseguia pensar em mais nada, e por mais que se esforçasse, também não conseguia um meio de conciliar as duas figuras: a sua mulher de sempre, dócil e semanal, e aquela outra, que tinha surgido na noite no motel.
O tempo foi passando, e Diego ficando cada vez mais incomodado. Sonhava até. Uma vez, que ela estava numa esquina escura, de minissaia e os peitos de fora. Da outra, sonhou que ela ia embora com um amante.
Uma noite sonhou que ela virava uma cobra gigante, que sibilava, que avançava ondeante, serpeando, e arrancava a sua cabeça.
Apesar de tudo, ele tentava dizer pra si mesmo que aquele era o sonho de todo homem. Não ter a cabeça arrancada por uma cobra gigante, mas, como no texto (do Múcio Góes) que ele tinha visto no Facebook:
Na sala, Sartre, na cama, Sutra.
Embora não soubesse o que era Sartre, sabia de onde vinha o Sutra, e entendia a ideia: na sala, santa; na cama, nem tanto.
A mulher se dividia, na maior parte do tempo, era a santa; limpando a casa, fazendo comida e cuidando da filhinha. Mas, na outra parte, tinha desejos e vontades.
E agarrava ele pelos cantos da casa, e lançava olhares indecentes, e passava a mão cheias de intenções pelo interior das pernas dele.
E ele repetia pra si mesmo: tô vivendo o sonho de todo homem!
Às vezes, ela o arrastava pro quarto. Noutras, era onde estivessem, sala, cozinha, quintal. Ela tirava a roupa e voava pra cima dele. E insistia pra ficar por cima!
E ele sempre repetindo pra si mesmo: tô vivendo o sonho de todo homem. O sonho de todo homem.
***
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O Absurdo Dos Comuns
Short StoryAlguns minicontos sobre casos cotidianos com um pouquinho de violência e absurdo.