Dezembro era a pior época do ano, em sua opinião. E morar no Brasil não ajudava em nada. O calor, o suor, a sensação de que a pele grudava cada vez que ele encostava em alguma coisa. Na verdade tudo isso ele podia suportar, mas o que o fazia detestar aquela época do ano era... O Natal.
As decorações, filas nas lojas, engarrafamentos e claro, a quantia interminável de clientes querendo dar uma levantada aqui e uma puxadinha ali antes da ceia Natalina.
Claro que o pagamento era bom, afinal, ele era o melhor cirurgião da cidade, mas, mesmo com todo o dinheiro que ganhava, a exaustão de trabalhar horas seguidas para que alguma madame da alta sociedade ficasse com a cara esticada como uma máscara de borracha lustrosa parecia ser forte o suficiente para se sobrepor ao lucro.
Pelo menos era a véspera daquele feriado odioso e por isso, ele podia tirar uma folga da clínica. E ai estava a única coisa boa daquela bobajaiada de Natal.
Naquele momento estava trancando a porta da clinica onde fazia o pré-atendimento dos pacientes, quando ouviu seu nome ser gritado do outro lado da rua, de forma aguda e estridente e com aquele substantivo detestável.
– Tio Augusto! Ei, tio! – olhou com pouco caso por sobre o ombro e ao confirmar quem o chamava, soltou um suspiro de puro descaso. Era Cristiano, seu sobrinho, filho do seu meio-irmão. Ele vinha acompanhado de outro garoto, ambos trajando regatas e bermudas, os cabelos castanhos e cacheados dos dois úmidos de suor.
– O que você quer Cris? Eu estou exausto e preciso ir pra casa. – perguntou de forma seca, mas o garoto que já estava acostumado com o comportamento esquivo do tio apenas alargou o sorriso e disse.
– Eu só queria te apresentar o meu namorado, Henrique. – olhou para o outro garoto ao lado do sobrinho, tão magro quanto o outro, o rosto imberbe e moreno de sol e exibindo um sorriso ingênuo que o incomodou.
– Você veio lá do outro lado da cidade só pra isso, Cris? – perguntou enquanto apertava a ponte do nariz com os dedos indicador e médio, levantando os óculos no processo. Fazia alguns meses que o menino tinha saído do armário e as coisas não iam muito bem entre o garoto e o pai, evangélico ferrenho que desde então vinha punindo o jovem com todo tipo de tortura. Inicialmente foram castigos psicológicos, proibições, privação de dinheiro e até do passe de ônibus e ultimamente, físicas. Lembrava-se do vergão que viu no braço do sobrinho há algumas semanas, mas, preferiu se omitir e não falar nada, afinal, o garoto estava sofrendo as consequências por sua burrice.
– Eu só queria que você o conhecesse. Sabe... – a frase ficou no ar, mas Augusto preencheu as lacunas. "Sabe, como você também é gay e é meu tio, eu pensei que talvez você pudesse me dar algum apoio..."
– Muito prazer em conhecê-lo, Henrique. Agora se me dão licença, eu preciso ir para casa! – disse da forma mais fria possível. Não podia socorrer o sobrinho, na verdade, não queria ajudar o menino. Estava quase chegando ao carro quando sentiu os dedos longos do garoto tocar seu cotovelo exposto pela camisa de manga curta.
– Tio, será que... Nós podemos passar a véspera de Natal com você? O meu pai... – o menino não terminou a frase deixando novamente espaço para a dedução de Augusto.
– Sinto muito, Cris, mas eu prefiro passar esse feriado sozinho. Por que você não vai pra casa do Henrique? – e dizendo isso, sem esperar uma resposta, entrou no carro e saiu cantando pneu sem olhar para trás. Ora essa, já tinha problemas demais para ainda ter de lidar com o sobrinho burro que resolveu se assumir enquanto ainda morava debaixo do teto dos pais evangélicos homofóbicos. Não podia ficar socorrendo o menino o tempo todo!
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Um novo Conto de Natal
RomanceAugusto é um famoso cirurgião plástico, mas também é um homem egoísta que não se preocupa com os outros a sua volta, no entanto isso irá mudar nesta véspera de Natal, quando ele será visitado por três peculiares espíritos que o farão se recordar do...