Capítulo 03

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Fechou os olhos quando achou que o encontro contra o asfalto seria inevitável, mas para sua surpresa, acabou aterrissando na maciez confortável de sua cama. Estava encharcado de suor, da cabeça aos pés e levou alguns segundos para se dar conta de que continuava vivo e inteiro.

Apertava os braços, pernas e conferia se a cabeça estava no lugar, quando ouviu o grande carrilhão anunciar na sala de estar que eram duas horas da manhã. A coisa toda com Velvet foi mais longa do que ele imaginou. Então riu sozinho, como diabos iria imaginar alguma coisa tão bizarra como aquela que estava experimentando naquela véspera de Natal. Por fim, respirou aliviado, achando que a loucura havia finalmente chegado ao fim.

– Acho que ainda consigo dormir um pouco... – murmurou para o quarto vazio e estava quase cochilando quando ouviu uma voz aguda e afeminada cantar com um quê de ironia na voz.

– "Então é natal, e o que você fez, você ferrou com tudo, esse ano outra vez!" – sentou-se de chofre na cama procurando de onde vinha o som, foi quando notou um movimento rápido em um dos cantos do quarto.

– Quem é você? Identifique-se! – ordenou ele, corajoso. Ao contrário do susto que levou ao ver o espírito dos Natais Passados, agora se sentia confiante o bastante para enfrentar seu novo visitante indesejado.

– Sinceramente, Augusto, você podia ser um pouco mais educado! Não vai te arrancar nenhum pedaço ser gentil. – a voz afeminada informou enquanto o espírito saia para ficar sob a luz da lua que entrava pela janela.

Um jovem asiático, alto, magro, com cabelos negros e macios enrodilhados em uma série de pequenos cachos e com feições joviais e um corpo esguio vestido em uma calça justa de couro e uma regata com a estampa da bandeira arco-íris e a legenda "Respeita as POC" apareceu.

– Eu sou o espírito dos Natais Presentes! – declarou o fantasma enquanto fazia um movimento com a mão ao redor do corpo, exibindo-se. O mais surpreendente era que o espírito usava um par de óculos de aros finos e redondos. Para que um fantasma precisava de óculos?

– E para que uma bicha velha como você precisa da minha ajuda no Natal? – respondeu o espírito em um tom ácido, deixando claro que ele também podia ouvir nitidamente os pensamentos de Augusto.

– Vamos logo que eu tenho uma rave de Natal pra ir e não quero me atrasar! Levanta esse traseiro magricelo e sem graça daí agora! – a voz do espírito o irritava. Ele tinha uma grande implicância com gays afeminados, eles podiam pelo menos disfarçar, não é?

– Pois fique sabendo que foram os gays afeminados que abriram caminho pra vocês, enrustidos e padrãozinhos pudessem fazer um monte de coisas! Mas alguém agradece? Alguém reconhece? Nah, todo mundo só sabe escrever "Não sou/não curto afeminados" no Grindr, será que vocês já pararam pra pensar que são os afeminados que podem não curtir e não querer vocês? – Augusto revirou os olhos, cansado. Aquele era o tipo de discurso que ouvia do sobrinho sempre que se encontravam. O menino era um verdadeiro ativista do movimento LGBT+, cheio de idéias e ideais. Pena que isso não servia pra nada.

– Você quer parar de pensar tanta merda por segundo? Por favor! Eu não vou aguentar ter de ouvir seus pensamentos escrotos a noite inteira! – quando o espírito se aproximou, Augusto viu que ele calçava botas com salto agulha e quase pensou em mais alguma coisa ofensiva, mas se conteve. Não ia aguentar levar sermão de um moleque que parecia ter a idade do seu sobrinho.

– Seu sobrinho! Cris, ele é um amor de menino! Se eu fosse vivo com certeza daria em cima dele. Mas vamos lá que eu não quero passar a noite inteira preso com você! Vem logo! – ao contrário do Espírito dos Natais Passados, esse aqui era bem mais apressado e muito menos gentil.

Um novo Conto de NatalOnde histórias criam vida. Descubra agora