Augusto ainda estava em choque pelo recente reencontro com seu falecido namorado. A voz etérea de Tobias parecia ainda ecoar pelas paredes da ampla sala de estar, mas antes que pudesse confirmar que tudo não havia passado de uma alucinação pelo excesso de vinho e trabalho na clínica, o grande relógio de pendulo que comprou e uma de suas viagens para o exterior soou, anunciando meia-noite.
Mecanicamente em resposta, o cirurgião encarou o grande carrilhão com olhos arregalados e fixos, esperando que alguma coisa escapasse do relógio, como havia acontecido com a tevê. Mas nada aconteceu.
– Eu estou mesmo precisando de umas férias... – murmurou enquanto enchia a taça que estava sobre a mesinha de centro com mais vinho branco, pretendia beber o suficiente para cair na cama e apagar. Com sorte dormiria durante todo o dia 25 também.
– Na verdade, querido, você está precisando é de um pouco de bom senso. – a voz grave, mas com uma tonalidade feminina o assustou e quando olhou por sobre o ombro, sufocou um grito de horror e surpresa, tropeçou na mesinha de centro e caiu para trás, derrubando a taça que espalhou vinho tanto sobre seu rosto quanto por todo o carpete.
Em pé na sua frente estava uma figura alta, talvez dois metros de altura, pele visualmente macia, cor de chocolate. Trajava um vestido de gala de paetês dourados e exibia com orgulho um alto penteado complicado de fios loiros. No rosto perfeitamente maquiado, brotava um sorriso divertido, como se o pavor de Augusto não passasse de uma simples brincadeira.
– O que, quem, como? – a invasora sorriu novamente e estendeu a mão grande de dedos longos e unhas bem manicuradas e tingidas de dourado, que envolveram seu pulso com firmeza e o ajudaram a se levantar.
– São muitas perguntas para um primeiro encontro, não é mesmo? – em pé ele batia na altura do ombro da visitante que continuava a lhe sorrir de forma maternal e cálida.
– Quem é você e como entrou aqui? – perguntou quando finalmente conseguiu recuperar a voz. Ele já tinha uma ideia da resposta, mas queria ouvir a confirmação por dela.
– Oh, eu sou a incrível, a inigualável, a única, Miss Velvet Diamond Lightning! Mas você meu bem, pode me chamar de Espírito dos Natais Passados. Você tem muito que aprender Augusto, mas temos pouco tempo juntos, então, só segure minha mão e aperte firme, porque temos lugares para ir e pessoas para ver! – ele podia sentir a quentura da pele macia de Velvet contra sua mão, a Drag Queen era tão real quanto o fato de ele estava ali em pé no meio da sala de estar!
– É claro que eu sou real meu bem! Eu sou a personificação de tudo de bom que existe no Natal! E lá vamos nós! – e ao dizer isso Augusto sentiu seus pés saírem do chão com um impulso e os óculos escorregarem de seu rosto e caírem no meio da sala de estar, mas não teve tempo para reclamar a perda, pois logo em seguida eles estavam sobrevoando a cidade de São Paulo, com todas as suas luzes intermitentes e faróis e buzinas, gritos e correrias e sons. A cidade que nunca dorme estava como uma criança na véspera de Natal, ansiosa e alerta.
– Está certo, a primeira parada é aqui. – anunciou Velvet enquanto eles aterrissavam graciosamente sobre a calçada. Eles estavam em frente a sua antiga casa, aquela que morou quando era criança. Ao ver o grande sobrado com a sua fachada imponente, Augusto sentiu um misto de sensações. Nostalgia, mas também tristeza, pois sempre passou o Natal com a babá e as empregadas. Seus pais estavam sempre muito ocupados indo a jantares e festas do hospital onde o pai era cirurgião cardíaco.
A porta da frente se abriu e ele os viu, a mãe usava um vestido de veludo negro e um colar de pérolas. O cabelo loiro e macio estava preso em um coque bonito e o pai trajava terno e gravata e fumava um cigarro. E então ele se viu dentro da casa, correndo atrás dos dois.
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Um novo Conto de Natal
RomanceAugusto é um famoso cirurgião plástico, mas também é um homem egoísta que não se preocupa com os outros a sua volta, no entanto isso irá mudar nesta véspera de Natal, quando ele será visitado por três peculiares espíritos que o farão se recordar do...