III - Ars Paulina

28 1 0
                                    

Ars Paulina: do latim, "Arte de Paulo, o apóstolo"

Outrora havia um rei, cuja sabedoria era inigualável.

Monarcas de distantes reinos partiam em busca de seus conselhos, levando consigo os mais belos presentes para conseguir apenas ouvir suas palavras.

Dizia-se que ele era agraciado com luz advinda diretamente de deus, fazendo com que seus provérbios fossem leis para seu povo.

Seu poder e sapiência pareciam desconhecer quaisquer fronteiras, mesmo para alguém amado pelo divino, e por mais que isso causasse espanto, ninguém ousava questionar o rei ou a origem de seus dons.

Havia, no entanto, um segredo do rei que os mestres da magia ocultavam do povo.

A verdadeira explicação para tudo que ele fazia residia em seu anel, com o qual ele podia dominar sem restrições setenta e dois demônios. E estes eram obrigados a fazer sua vontade, tudo com as graças de seu deus.

Ao rei, como monarca de uma grande nação, uniram-se muitas mulheres, princesas e concubinas, vindas dos mais diversos cantos da terra e, com elas, suas várias crenças.

O amor do rei por estas mulheres o fez abrir sua mente e a iluminação lhe abraçou. Ele passou a ver, em seus servos coagidos, não só a perversão pregada por sua fé, mas o brilho do divino que também se refletia em suas formas. Pois os demônios eram os deuses dos moabitas, amonitas, edomitas, sidônios e heteus, os povos de suas esposas.

E ele construiu altares a eles, para que elas pudessem cultuá-los conforme suas crenças.

Em nada isso afetou a prosperidade de seu povo ou reino, mas inimigos ascenderam dizendo serem enviados pelo deus a quem o rei servia.

'Deus', diziam, 'está irado com as perversões e abominações para as quais erguestes altares. E o Senhor intenta executar sua ira e vingança através de nós'.

No entanto, protegido como estava pelas ditas abominações, o rei era intocável. A suposta vingança conseguiu nada além de roubar seu anel. Quando o tempo de sua estadia na terra chegou ao fim, a morte lhe veio como uma velha amiga.


✠❆✹❆✠


Depois de interromper seu próprio relato para contar aquela pequena história, o demônio pôs-se em silêncio.

Antes relaxado em seu trono, agora seu corpo inteiro estava retesado. Os dedos batucavam, ansiosos, uma melodia que soava vagamente como uma marcha fúnebre.

Como se dançassem em acordo com o temperamento da criatura, as chamas nas paredes agora pareciam mais fortes, formando sombras profundas e fazendo a temperatura subir.


— ...Encontro-me num dilema. — falou por fim, as mãos agora contraídas, unhas adentrando a pele. — É preciso mostrar a dor para que entenda, mas... Devo torturá-lo dessa forma?


Imediatamente se afastou do círculo, as mãos tateando cegamente atrás de seu corpo conforme seus pés o empurravam. A simples menção a tortura fazendo a adrenalina disparar numa preparação para bater ou correr.

Ou, no seu caso, banir a criatura para o abismo de onde tinha vindo.

Sua visão circundou todo o cômodo em questão de milésimos, buscando alguma outra demonstração de magia oriunda do demônio a sua frente. Quando não encontrou nada, apenas fingiu manter uma expressão calma, como se não tivesse tentado colocar o máximo de distância possível entre si e o limiar do círculo.

Clavicula Satanae: A Chave de SatãOnde histórias criam vida. Descubra agora