IV - Ars Notoria

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Ars Notoria: do latim, "A Arte Notável"


Nos anos incontáveis, havia o Nada. Então veio o Verbo, o início do tecido da realidade.
Na imensidão do vazio, o primeiro conceito da existência surgiu. Um brilho conspícuo que tomou conta de cada aspecto da realidade, uma estrela anunciando a primeira manhã.
Assim todo o resto se fez.
Mas mesmo na pureza do início, o maculado final era esperado.
Nos anos incontáveis tudo ruirá nos céus e na terra.
O rei, em comunhão com aquele que o ergueu, sentará em seu trono uma última vez, vendo seu império colapsar.
O sol da existência irá se pôr, as chamas do inferno consumirão a realidade e este será o fim de tudo.
Até o nascer de uma nova estrela.


✠❆✹❆✠


Hely, Scemath Amazaz, Hemel, Sathusteon, hheli Tamazam

As palavras soavam desconexas em sua mente, embora vibrando com uma familiaridade inadequada ao contexto.

O mais peculiar era que o timbre não era o do narrador a sua frente, mas de centenas de vozes intrusas recitando o latim.

Theos Megthe, in tu yma Eurel

O coral parecia implorar que se unisse ao clamor de vários tons, que compunham uma trilha sonora para os passos constantes do demônio no amplo círculo. As passadas tinham uma musicalidade peculiar, como se cuidadosamente pensasse antes que seus pés tocassem o chão.

A pausa no relato tinha se estabelecido dramaticamente, como nos outros momentos, e aqueles olhos, simultaneamente sombrios e brilhantes, saltavam pelos papéis e livros espalhados pelo chão. Um volume entre eles chamando sua atenção e fazendo, pela primeira vez, a voz sair num sussurro, em um dialeto que não podia compreender com a fala tão suave. Quando voltou a uma língua compreensível, parecia que as palavras saíam de seus lábios em fios de cobre.

Soube, pelo poder contido em cada sílaba, que aquilo não era parte do monólogo que tinha se estabelecido desde a invocação, mas sim algo mais pessoal e com um propósito que não compreendia.


— ... confesso que em meus dias errante na terra, afastei-me da sapiente benevolência com palavras, ações e pensamentos, mas permito, a mim, o poder de preservar-me na memória da sabedoria e ela distribuir como cabível a meu ser. Amen, Semet, Lamen.


Os olhos se fecharam, e um suspiro escapou, algo estranhamente humano.
Já estava se acostumando com os silêncios e vazios que tomavam conta do cômodo quando sua mente parava de ser atribulada pelas palavras ou imagens oriundas do demônio.

Mas o coro de vozes continuava, com suas palavras estranhas absorvendo o som das chamas como parte da canção.

Assaylemath, Assay, Lemath, Azzabue.

Mas percebeu que aquilo era, na verdade, uma oração. Antiga e essencial para um ocultista, que ele mesmo tinha estudado quando mais jovem.

Azzaylemath, Lemath, Azacgessenio.

As próximas palavras sutilmente se teceram em seus lábios e ecoaram no quarto, finalmente a voz livre para se unir ao coral.


Lemath, Sabanche, Ellithy, Aygezo.


Os olhos do demônio se abriram.

Clavicula Satanae: A Chave de SatãOnde histórias criam vida. Descubra agora