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— Hoje era o dia do meu casamento com o homem que eu achava ser a minha metade da laranja, a tampa da minha panela, a minha cara metade, e todas essas coisas que dizem sobre pessoas que são perfeitas umas para outras — digo e Rafael apenas me escuta atento. — Enfim, eu iria me casar, mas um tempinho antes de sair para a igreja descobri que o meu noivo me traia, então quando o padre perguntou se eu aceitava me casar com ele eu disse não e saí correndo. O resto você já sabe — completo derrotada e uma pontada aperta o meu peito.

Acho que a minha ficha ainda não caiu, não consigo acreditar que o João, aquele que eu achei ser perfeito, não era quem eu pensava. Fui enganada durante meses e quase me casei com um canalha. Como fui idiota.

Sinto uma mão tocar a minha face e percebo que estou chorando.

— Ele não vale as suas lágrimas — Rafael sussurra.

— Eu sei, mas... Eu fui tão idiota — assumo e mais lágrimas descem.

Rafael levanta o meu rosto e me encara com uma expressão séria.

— O único idiota foi ele, que deixou uma mulher linda e maravilhosa como você escapar. Você só abriu seu coração para o cara errado, mas isso não é ser idiota, pelo contrário, é um ato de coragem.

Um sorriso triste molda o meu rosto e suas palavras me aquecem.

— Não sei como agradecer o que está fazendo por mim — respondo.

— Para de chorar e passa a noite comigo?

Dou um pequeno salto com as suas palavras e ele arregala os olhos.

— Droga, eu... eu quis dizer... digo, não passar a noite comigo... Luíza, eu... Cacete. — A sua face fica avermelhada e quase sorrio da sua falta de jeito. Rafael toma um suspiro e volta a falar: — Eu quis dizer, que se você quiser pode passar a noite aqui, na minha casa, não exatamente comigo... só aqui, para espairecer.

— Eu entendi — respondo e ele parece aliviado. — Mas não quero atrapalhar, você já fez demais por mim hoje.

— Não vai me atrapalhar, de verdade — diz com convicção. Nessa hora Tonta reaparece e me olha com a cara de pidão. — O Tonta concorda comigo.

— Eu não sei. — Sorrio sem graça e mordo o lábio, em dúvida. Não sei se estou pronta para voltar e encarar a minha realidade.

— Eu já provei que não sou do lado negro da força. Além do mais, imagino que você não queira dar de cara com o seu ex-noivo hoje. — Nego com a cabeça. — Então, ficar aqui vai evitar isso.

— Você tem razão. — Dou-me por vencida.

Um sorriso se abre no seu rosto e Tonta dá um latido feliz.

— O que acha de pedirmos uma pizza?

— Parece ótimo.

— Minha mãe deixou algumas mudas de roupa aqui em casa, acho que alguma deve te servir. Vou pegar e você toma um banho enquanto peço a pizza, pode ser.

— Claro.

Ele está sendo tão delicado com uma pessoa que mal conhece e isso me toca. Eu sei que tecnicamente nos conhecemos desde pivetes, mas as pessoas mudam constantemente e aquele garoto e aquela garota de anos atrás são apenas estranhos diante do Rafael e da Luíza de agora. Mas, mesmo assim, ele está sendo tão atencioso e preocupado, como se realmente se importasse comigo. Juntando isso a tudo o que aconteceu desde a hora que acordei e os meus nervos estão em frangalhos.

Rafael sai da cozinha e some no corredor. Levanto-me e abro duas portas de vidro que dão para uma pequena área nos fundos da casa. O dia se foi e a noite chegou, escura assim como o meu coração nesse momento.

Uma lágrima escorre pela minha face e a enxugo com a ponta dos dedos.

— Por que você fez isso comigo, João? — sussurro para o nada.

Tonta aparece ao meu lado e lambe a minha mão, querendo atenção. Minha mãe sempre diz que os cachorros sentem quando não estamos bem, vai ver foi por isso que o Tonta correu para mim mais cedo. Ele deve ter farejado a minha dor.

— Obrigada por pular em mim hoje, garotão — digo e afago a sua cabeça. O seu rabo balança de um lado para outro.

Abaixo-me nos joelhos e fico acariciando o meu novo amigo por um tempo, enquanto penso em como voltar a minha vida normal com um coração partido.

— Ele gostou mesmo de você. — Ouço a voz do Rafael perto de nós.

— E eu dele.

— Já preparei as coisas, você pode usar o banheiro do meu quarto. É só subir as escadas, fica na primeira porta à direita.

— Obrigada.

Passo por ele e Tonta vem junto, mas Rafael o repreende.

— Você fica, vamos deixar a moça tomar banho em paz.

O animal me olha carente e pedindo ajuda, parece até uma criança.

— Eu já volto — digo e ele deita no chão.

Sigo pelo corredor e antes de chegar à sala está a escada. Subo os degraus e dou de cara com outro corredor. Há três portas, uma quase de frente para outra e uma no fim do corredor. Sigo para a da direita, como Rafael disse.

O quarto é espaçoso e segue a decoração alegre do resto da casa. Uma cama King Size está localizada no meio com o fundo de um mapa mundi gigante desenhado. As paredes ao redor são de cimento queimado, mas em um tom claro. Há duas portas na parede adjunta a que tem o mapa e imagino que uma é do banheiro e outra do closet. A dúvida me bate e quando penso em abrir a da direita, ouço uma batida na porta.

— Luíza.

Vou até a porta e a abro. Rafael parece sem jeito.

— É... eu esqueci de avisar que a porta do banheiro é a da esquerda.

— Eu estava me perguntando isso agora mesmo — respondo.

— Então, tá. Eu vou deixar você agora.

Rafael dá um passo para trás e aponta a escada. Não deixo de reparar que o seu jeito tímido e meio atrapalhado é um charme.

Assinto e fecho a porta atrás de mim, então me lembro de um pequeno detalhe. Rapidamente viro-me e abro a porta novamente.

— Rafael — chamo.

Ele sobe as escadas correndo e para à minha frente.

— Aconteceu alguma coisa?

— Não... quer dizer... — Deus, como dizer, ou melhor, pedir isso a ele? Maldita hora que fui escolher esse vestido. — Então...

Rafael coça a cabeça e espera que eu fale algo. Os segundos se passam e as palavras certas não aparecem.

— Então...

Pensei que a minha cota de passar vergonha estivesse esgotada por hoje, mas acho que ela não gosta de ser subestimada.

— Será que pode me ajudar com o vestido? O fecho...

— Claro — responde antes mesmo que eu termine de explicar.

— Obrigada.

Totalmente sem jeito e desorientada, entro no quarto e Rafael me acompanha.

— Você... você pode se virar — pede.

Assinto e faço como ele pediu. Alguns segundos se passam e sinto suas mãos trêmulas encostarem a pele da minha nuca. Logo sinto o tecido folgar no meu corpo e rapidamente levo as mãos ao seio para impedir que ele caia.

Ciente da lingerie a vista nas minhas costas, viro-me de frente para ele e nossos olhares se encontram. Algo neles brilha, mas não sei dizer o quê.

— Eu vou te deixar sozinha — ele diz com a voz ofegante e praticamente corre para fora do quarto.

Fecho os olhos e respiro fundo. Eu não estou bem. 

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