05. o farol californiano nunca precisou de luz artificial

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ultimamente eu tenho perdido horas de vida olhando para o céu enquanto percorro estradas desérticas o suficiente para sufocarem meus preceitos mais banais, mas isso não faz diferença alguma, sendo honestamente sincera.

lembro-me vagamente dos cabelos azulados de jisung refletindo a imparcialidade da luz dourada banhando nossas peles frágeis como filetes de seda perdidos feito retalhos inúteis de um vestido de alta costura. lembro-me vagamente da sensação prazerosa de sentir suas mãos macias indo de encontro ao meu rosto num carinho sem sensibilidade nenhuma, porque os seus dedos pouco possuíam digitais palpáveis. tocar em jisung era o mesmo que encostar numa nuvem que abrigou todas as frustrações dentro de si porque sempre foi interrompido por alguém mais inteligente.

- eu nunca gostei de olhar para o céu, sabia?

- talvez isso te torne o mínimo distante de deus antes que ele te arraste para a imensidão dourada do apego. não gostar de olhar para o céu e o mesmo que correr dentro de um labirinto vazio enquanto jóias douradas gritam palavras bonitas hipnotizando o sentido real da existência, então você está mais do que certo, porque não é humanamente possível andar sozinho no escuro, e essa é a parte mais legal de tudo que existe. é nisso que eu fielmente acredito -

- você não acredita em deus, yeri.

- você não precisa crer em tudo que eu digo

- então você mentiu durante todo esse tempo?

- talvez eu somente tenha sido honesta

o céu se parte como o véu rasgado de uma viúva sem nada para nós oferecer além dos sonhos mais antagônicos do mundo medieval. seus olhos se fecham com cuidado, talvez essa realmente tenha sido uma péssima escolha.

consigo ver o farol daquele ângulo mal projetado acima do penhasco. óculos redondos com armação vermelha conseguiram arrancar todas as certezas que eu já pude testemunhar. talvez o céu não seja necessariamente azul, mas eu não conseguiria acreditar na permanência do dourado sem chorar durante noites e mais noites. a noite, ela chega sorrateira em nossos corações pequenos e os diamantes se tornam quebráveis. seus átomos de carbono me impossibilitaram de sentir o cheiro de queimado, e quando eu olho para o lado novamente, jisung já está deixando pegadas na areia, mesmo que o vento apague tudo que existiu depois disso.

eu odeio saber que tenho poucos objetivos de vida, e jisung poderia olhar em meus olhos até que percebesse a falta de algo, mas ele jamais perceberia ter tomado para si a lentidão da minha vida.

agora, eu sou um corpo esvaziando como um balão de ar quente que jamais explodiria nos céus dourados do amanhã impenetrável, simplesmente porque não possui coragem.

- yeri, você promete ficar por mim até que seja possível roubar o sol? você promete colocá-los em seus olhos dourados somente quando eu criar coragem em ir buscá-lo?

- e por que você acha que olhos de sol seriam mais belos do que óculos de sol?

- porque eu não aguento mais te assistir chorando cores inexistentes numa tela de cinema enquanto eu simplesmente me sinto imponente desejando arrancá-los para abrigar a felicidade que você merece.

- eu não jamais prometeria algo que eu não posso cumprir com veemência cósmica, jisung.

- então você prefere gastar os seus sete palmos abaixo da terra sabendo que jamais seria tão maleável quanto o ouro do céu poente?

- eu só queria saber quem foi que te disse que isso era no mínimo plausível, pra falar a verdade

- eu não entendo.

- nada dourado permanecerá sem que passe sob a vigência de deus.

- mas deus não existe, yeri.

- acredite no que quiser.

sinto falta de olhar em seus olhos, mas é assim que tudo deveria ter acontecido: yeri desaparecendo lentamente como o fantasma que sempre desejou ser, justamente porque ela não sente mais cheiro algum, e então jamais perceberia a gasolina se alastrando pelo carro azul enquanto percorre milhas e mais milhas desérticas, certo? errado.

a luz artificial do farol sempre atraiu vagalumes.

jisung era um vagalume, no meu ponto de vista.

yeri era o elefante na sala, o gato na sacada, a arara azul clandestinamente comprada com um cheque sem fundo e garantia de roubo. e então, quando eu andei, andei e andei até que chegasse ao farol, percebi que o dia já estava amanhecendo e jisung já tinha ido embora, do mesmo jeito que eu fiz quando decidi como 1 + 1 são 2 que eu poderia fugir do que o destino havia reservado. mas kim yeri estava errada quando decidiu voltar para a california em busca de coisas inexistentes, e quando seus olhos se encontrarem com o abismo, a luz do farol será apenas o resquício de uma memória da qual não temos certeza de que existiu o se foi apenas um dejá-vu.

e yeri vai cair, cair, cair.

kim yerim é fraca, fraca, fraca.

desaparecerá na imensidão azul, bem mais do que sete palmos sob a superfície.

jisung chorará o dourado prometido, e quando perceber, seus olhos serão pavimentados como a estrada para o inferno que yeri sempre desejou abrigar em seus olhos verdadeiros.

mas isso nunca foi sobre nenhum dos dois, nem yeri, nem jisung.

voaram para bem longe da california, porque o inferno nunca esteve tão próximo.

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fim ??? 🦎🙌🌴 adeus, caras

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⏰ Última atualização: May 28, 2020 ⏰

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