03. ararinha azul

107 20 15
                                    

é uma tolice tremenda pensar que as vezes eu me encontro no comando de uma situação onde eu só sirvo como armamento do destino, descarregando a frustração de um sonho quebrado, superstições sobre garotas, lábios deliciosos, carros vermelhos e metáforas sobre o meu próprio fracasso solitário.

eu sou o grito da derrota não propriamente dito. eu abandonei o teatro e eu acho que os produtores provavelmente me ligaram. sabe como é, né? eu meio que era a principal.

mas que se foda toda essa merda.

eu pus telefone fixo do meu quarto dentro de uma mochila e  pedi para que jisung encarecidamente a jogasse na privada. acho que ele desistiu e foi colocar na caçamba de lixo dos fundos do hotel de qualquer jeito.

mas não é como se eu tivesse algo para me preocupar além de ter as coxas bronzeadas como um frango assado. dinheiro é uma forma do capitalismo de te colocar entre rédeas imaginárias, sua idiota! ...você realmente achava que poderia morar por tempo indeterminado num país louco assim sem um visto ou sem pagar impostos?

a minha cabeça é bem piradinha as vezes.

a yeri de 7 anos diria que fugir é fácil porque a preocupação dos adultos que ela conhecia era única e exclusivamente viver de sexo e maconha até onde fosse possível, então se uma fuga simplesmente desse na telha e a sua mãe estivesse ocupada amarrando mais um advogado com fetiche em submissão no pé da cama, quem se encarregaria pela intervenção justamente quando correr é a única existente e melhor opção? eu que não!

haha. brincadeirinha.

era isso que eu almejava desde o princípio. uma fuga. um tubarão de aquário. uma festa na cobertura do prédio de algum diretor de cinema que faz filmes objetificado garotas de 17 anos, cabelos loiros e maiôs de bolinha.

quando eu era pequena eu queria ser uma das garotas de maiô petit poá. hoje, eu quero cortar os cabos de ligação entre elas e o mundo real onde o abuso existe de verdade e simplesmente não é citado. garotas bonitas assim tem fins nada cinematográficos onde são descartadas em poços que findam na terra do nunca. mas cuidado! a tinker bell não existe e o único pó mágico capaz de te fazer voar para longe daqui sem nem mesmo ter asas de cristal é a cocaína.

e você não vai parar lá pelo primeiro pino.

quem dirá no segundo.

jisung acordou às três horas da tarde e às quatro nós dois saímos para tomar milkshake. nesse meio tempo eu vi mais 5 garotas de maiô sendo acompanhadas por velhos grisalhos.

eu deixei o meu milkshake cair no chão da praia, e quando eu cheguei em casa com jisung, eu adotei um filhote de arara clandestinamente num site da internet e nós dois pintamos as paredes do nosso quarto de hotel com os restos de tinta vermelha que jisung tinha no porta-malas do seu cadillac roubado.

a minha arara nunca chegou ao seu destino.

por quê será?

os correios estão em greve novamente?

CALIFORNIAOnde histórias criam vida. Descubra agora