Aquela havia de ser uma manhã diferente: ele estava acordado às seis em ponto, sentindo-se mais vivo do que estivera em qualquer dia daquele ano e disposto a mudar a fama de lerdo, atrasado e irresponsável que conquistara com um extenso histórico de atrasos, nas mais variadas situações.
– Bom dia, família! – ele esbravejou, eufórico, enquanto ia de quarto em quarto, de cama em cama, acordar aqueles que lhe enchiam a paciência pela escolha que fizera em viver livre, sem pressa.
"Você não pode seguir assim", eles sempre diziam. "Você é quase um adulto, precisa ser responsável. Toma vergonha nessa cara, rapaz! Seja ágil!"
E era sempre a mesma ladainha. Os mesmos gestos e os mesmos olhares de reprovação. Olhares que o machucavam, que o faziam sentir-se pequeno.
Nulo.
Incapaz.
E ele estava cansado disso. Não queria seguir assim. Não queria ser julgado por suas escolhas.
"Um dia eu hei de provar que consigo fazer tudo que quero", sempre dizia a si mesmo, baixinho, quando a negatividade alheia lhe invadia o corpo e o fazia engolir em seco. "Um dia eu hei de calá-los"
E pairava no ar daquela manhã fria de novembro a sensação de que o momento de sua ascensão havia chegado. O garoto lerdo conduzia seus passos com leveza. O ar, que sempre lhe parecia rarefeito, entrava em suas narinas e navegava até seus pulmões como um navio num mar calmo e sereno. A vida havia voltado a fluir por suas veias. Ele se sentia ótimo. Radiante. Eufórico. Como uma criança que corre pelo parque. Como um passarinho que canta pela primeira vez...
E assim a manhã seguiu. Ele sempre com um sorriso frouxo nos lábios e uma expressão confiante no olhar. Tentando, em vão, impressionar seus companheiros de convivência, mostrando-se altivo, disposto e ágil. Eles, contudo, permaneciam indiferentes.
"Como eles podem fingir que não veem o que está acontecendo? Como eles podem ignorar tudo que venho fazendo?"
Escovou os dentes. Tomou banho. Vestiu a roupa. Calçou os sapatos. Comeu. Escovou os dentes. Penteou os cabelos e, olhando o próprio reflexo no espelho, sussurrou:
– Hoje é o seu maldito dia.
E sorriu. Depois gargalhou. E então chorou – de emoção, claro. Tudo estava dando certo. Pouco importava se eles o haviam ignorado. A boca de quem o subestimara seria calada. Eles entenderiam de uma vez por todas que seu atraso não era falta de responsabilidade.
Aquela havia sido sua escolha. Aquele era o seu jeito de levar a vida.
Ele era livre.
Livre.
Pôs a mochila nas costas, pediu a bênção dos pais e andou até a entrada da casa. Então ouviu seu pai lhe chamar:
– Lucas... Lucas! Espere!
O garoto não esperou.
"Ele não vai destruir tudo que construí hoje! Não vai!"
Abriu o portão, saiu de casa e começou a correr na direção do ponto de ônibus. Correu feito um louco, rindo de felicidade, gritando palavrões ao vento. Correu livre... livre de uma forma tão intensa que, ele sabia, podia voar se quisesse. Seguiu seu rumo por mais alguns minutos...
E chegou.
Mas não havia ônibus.
Só o silêncio.
O sorriso largo transformou-se num riso apático. Sentia que havia algo diferente, mas não havia notado nada de anormal ali... até que prestou atenção nas faces das pessoas. Eram misteriosas. Novas. Desconhecidas.
"Há algo errado aqui", ele pensou ainda extasiado, "Há algo muito errado..."
E então olhou, por impulso, ao relógio que carregava no antebraço.
7:20
– NÃO! – gritou, os desconhecidos encarando-o com receio. – NÃO PODE SER! NÃAAAO!
Caiu de joelhos, desolado. Sua maldição não havia cessado. Ele estava atrasado.
Mais uma vez.