- Os laudos, muitas vezes, nos permitem saber o que aconteceu sem ter visto a cena. - declarou o doutor.
-Mas é possível ter certeza do que aconteceu, senhor? - Christopher, pai de Adam, perguntou.
- Pelos laudos, eu acharia que ele bateu a cabeça e depois o raio caiu em cima dele, já que detectamos uma perda maior de eletrólitos que o normal, além de que podemos ver em alguns exames já feitos, que a eletricidade correu pelo corpo dele mesmo depois de trazido ao hospital. Então o pensamento lógico seria: um raio caiu na direção dos garotos, já que na região, muitas coisas são favoráveis pra que isso aconteça. Provavelmente, a eletricidade foi conduzida da grama aos corpos, e, por uma reação involuntária, eles acabaram saltando. Infelizmente, no fim desse salto, o paciente 226 bateu a cabeça em uma rocha, tendo uma concussão de terceiro nível, enquanto o paciente 227, teve apenas um hematoma subgaleal. Parte da energia entrou no cérebro do menino pardo.
Isso é mentira. Eu sei que é mentira, por que eu estava lá. Eu fui o culpado por isso. Suor de tristeza máscula está se formando nos meus olhos, - okay, eu to chorando - então preciso controlar minha respiração antes que esse aparelho do meu lado avise que eu to acordado. Eu não ligo se tenho um hematoma, eu só quero saber o que aconteceu com Adam. Eu só quero que ele esteja bem, apesar de estar curioso pra saber por que estou enxergando direito de um olho, e de outro não. E esse médico só fala coisa que eu não entendo
- Foram também vistas algumas mudanças em seus globos oculares. Por exemplo, o paciente mais velho apresenta anisocoria, já o mais novo...-
- POR FAVOR, ME DIGA QUE MEU ADAM NÃO TEM NADA GRAVE! - disse Laura, mãe do moreno. Chris a abraçou por trás, tentando confortá-la enquanto ela estava enxarcava o próprio rosto, junto á roupa
- O de 11 anos ficará em observação por quarenta e oito horas. Você o descreveu como pardo dos olhos pretos, certo? - conferiu no bloco de anotações
- Sim. - Christopher respondeu com firmeza.
- E justamente por isso ele está em observação.
- Desculpe-me, senhor, mas se você tem algum preconceito contra a cor da pele dele, acho melhor se preparar pra quando eu arrancar a sua.
- Não, não sou um racista. O que acontece, é que Adam, além de quase ter uma paralisia pulmonar, mostrou-se com acromia congênita ocular.
Paralisia pulmonar.
Depois dessas duas palavras, não aguentei mais. Comecei a soluçar, e quando a máquina apitou, todos olharam pra mim enquanto eu chorava, sem salvação, cheio de culpa. Tentei gritar quando se aproximaram, mas estava sem voz e eu estava preso á maca, e então, fechei os olhos, pronto pra mandar uma rajada de vento.
Avall ON
Mas algo diferente aconteceu.
Ao fechar os olhos, era como se o tempo tivesse parado, e levemente, no que deveria ser tudo preto pela sombra dos meus olhos, enxerguei um lugar onde o cinza, o azul, e o roxo predominavam, um pouco de verde também. Grama azul brilhante, céu colorido como uma aurora boreal, e pilares de luz. Um mosquito do tamanho do meu polegar apareceu e fiz uma cara de nojo, mas, logo, ele começou a crescer, e vi que não era um mosquito, e sim uma pessoinha com asas pretas. Quando ficou do meu tamanho, dava pra perceber que era um homem.
- Sininho é macho? - franzi o cenho
- Sininho vai te dar pó mágico, te levar prum abismo, e tirar o pó mágico quando você estiver em cima dele se continuar com gracinha. Palhaço.
- Sorry, not sorry. - e então reparei que agora eu tinha voz - Eu tenho voz!
- Usa ela pra quem quer te ouvir, por que eu não to afim. Então, eu to aqui pra decidir o destino da vida do seu amigo, o Adam. - tensionei
- E VOCÊ FALA ISSO COMO SE FOSSE ALGO SIMPLES, SEU INÚTIL? - ele foi arrastado pelo vento pra longe, mas voltou voando, literalmente. Quando desceu na minha frente, bateu as asas em frente ao proprio corpo, e gerou uma onda de vento maior, que me fez bater as costas numa parede rochosa
- Olha, eu to me cansando de você. Eu poderia quebrar essa estaca azul - tirou o que parecia um palito de dente gigante pintado de azul com glitter debaixo do paletó de folhas que ele usava
- E daí? - falei com a voz arrastada pela dor, me levantando com dificuldade
- E daí que seu "melhor amigo" - fez voz de deboche - morreria agora mesmo - esqueci a dor e corri até ele, ajoelhando na sua frente e implorando
- NÃO, POR FAVOR, NÃO FAZ ISSO, ELE NÃO TEM CULPA PELAS COISAS QUE EU FAÇO.
- Cala a boca. Deixa eu terminar logo com isso. - enfiou a estaca no chão, se sentou com as pernas cruzadas como um indio, agarrou o objeto com as duas mãos e fechou os olhos, o que fez a cena de eu gritando com Adam e ele bater a cabeça aparecer no ar. Abriu os olhos e a cena desapareceu. - Com um amigo que nem você, pra que ter inimigo, hein? - levantou uma sobrancelha
- Não precisa me deixar pior do que já to.
- Agora vamos ver o seu lado de bonzinho da história. - fechou os olhos novamente e aproveitei pra me sentar. A grama azul era completamente confortável, e nem machucou meus joelhos. Cenas do meu pai me batendo e de todas as vezes que menti pro Adam pra nao falar o que acontecia apareceram, e ao abrir os olhos, o Sininho falou - Até quando você ta certo você consegue estar errado. Você merece aplausos, mas não temos muito público nesse lugar
- Você é mesmo a Sininho?
- EU NÃO SOU A SININHO.
- Extressadinho.
- Falou o cara que quase matou o amigo por raiva - ai. Isso realmente foi doloroso de se escutar. Senti meu peito apertar até eu esconder meu rosto. Mas, por incrível que pareça, o carinha com asas envolveu uma das asas no meu corpo como forma de conforto. Ele respirou fundo e falou em voz calma:
- Eu sou um silfo. Silfo é o masculino de fada, e meu nome é Fecitautem Vivit. Me chame de Fecit. Bem, você não errado nem certo, mas acertou dizendo que seu colega não deve pagar por seus erros. E você errou com ele. E feio. Então eu vou te dar uma chance. Adam vai ficar vivo. - balancei a cabeça na manga da minha blusa pra secar as lagrimas, levantei o rosto e ajeitei as sobrancelhas. Sorri
- Obrigado...
- Mas...
- Por favor, sem essa de "mas"
- Desculpa, nada pode ser perfeito. Ele não vai se lembrar de nada. Nadinha. E essa é minha forma de te deixar recomeçar
- Então ele não vai se lembrar nem da primeira vez que ele comeu um cookie? Na minha casa? Ou de como os pais dele não tinham tempo pro ensinar ele a andar de bicicleta e eu ensinei? Nada?
- Nadinha. É isso ou ele morto
- Isso, por favor. - o silfo deu uma piscadela e se levantou.
- Agora você tem que abrir os olhos... não sei se devo te deixar com essa lembrança ou não...
- Deixe!
- Realmente, melhor não deixar, obrigado pela escolha.
- MAS NÃO FOI ISSO QUE EU ESCOLHI!
- Lizzie vai saber a hora certa de você vir aqui. - a mão ele se fechou pra me dar um murro, mas era só uma forma de fazer eu forçar os olhos e abrí-los de verdade
Avall OFF
A rajada falhou. Tinha me esquecido que nada acontecia como eu queria, e apenas uma leve brisa apareceu, e ela pareceu acordar Adam. Tentei gritar "adam", mas apenas ar saia da minha boca. Entretanto, a mãe dele percebeu meus movimentos, e olhou pra maca, vendo o filho olhar pra ela.
- FILHO! - ela gritou, e assim, eu me aliviei, e ele virou o centro das atenções. Mas era eu quem queria estar lá, dando atenção pra ele.
O irmão que nunca tive.
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Saga Valente: Ambivalente
Fantasy"Pra ver algumas coisas, é preciso fechar os olhos"