Como Ricardo III.

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Ora pois, com que mendicância posso eu vos implorar que me dêem a vida de volta, aliás, não esta vida sem vida que levo sem concretude, não esta existência sem o salgado do vento vindo do mar, que abafa a respiração causando uma aflição pela vossa coluna com o ar real mais tão real que provoca uma agonia de estar vivo e querer viver; a vida é tão viva que não posso saber viver sem. 

(Três passos em direção ao nada, indo e o vento vindo quente mas frio que vem torto de algum lugar que pode existir mas não se há certeza).

Puxa, como eu, Arqui Lífer, daria nada por tudo: uma vez que tudo o que eu tenho neste momento esta em minha mente, e, parece real para mim, mas para um ser real de fato, tudo de minha mente nada seria, nada concreto, apenas abstrato; mas, eu nada tendo, desesperado, encurralado e aflito, assim como Ricardo III, que vagou derrotado pelo devastado campo em que se passara a batalha que participara, e em um acesso de desesperança, clamou: "Um cavalo, um cavalo, meu reino por um cavalo", assim como ele, eu lesaria a outra parte da negociação proclamando: MEU MUNDO, MEU MUNDO, MINHA VIDA PELO MUNDO DAS IDÉIAS! (Homem que de fato existiu, rei da Inglaterra e sortudo ser por ter sido protagonista de uma das histórias de William Shakespeare: Ricardo III, Ato III, Cena 1).

Percebi que não é nada ruim o olhar da ignorância que nem por um minuto deixa, de longe, de me seguir; dona de íris negras, tão bonitas, tão brilhantes como olhos de gato a meia noite. Como prometido, ela vem conversando com minhas expressões e movimentos, dando suas respostas como a onda responde o mar. Perceba que as oscilações, quando no fundo do mar, demoram dois mil anos para retornar a superfície; assim é, também, com os sentimentos humanos, cada qual único, demoram anos para aflorar novamente na face de um homem ou uma mulher.

Aqueles olhos... Inconfundíveis, indesviáveis e profundos como um poço vazio. Aquelas esferas me fazem sentir melhor, pois quando as encaro é quase como se eu ficasse ignorante em relação ao meu sono.

(Arqui senta-se em uma cadeira dourada que desejou existir, admira um jardim com flores mistas: à sua esquerda flores azuis, à sua direita amarelas, que também desejou existir. Olha pensativo para os lados e encara suas criações, sentindo-se muito sozinho. Desejou que haja pássaros tipicamente londrinos, e o ambiente encheu-se de Robins e Magpies, com seus cantos preenchendo o silêncio. Desejou também uma mesa em sua frente, com vinho e pão em abundância. Também desejou que o vento movimentasse seus cabelos para lá e para cá, e, por fim, pegou uma das taças, preencheu-a de vinho, pegou-a e bradou).

À ignorância eu brindo...

(Novamente olha para o lado, e descontente, não vê ninguém se aproximando; caí uma lágrima de solidão). 

- Estamos em um plano mental.

(Derruba seu cálice e o vinho na terra. Olha para cima e vê a ignorância de pé no ar).

- Dentro da sua mente somos ambos ignorantes as leis da física. - Diz. - A gravidade é relativa.

(Lífer esbugalha os próprios olhos, e, em um acesso de pânico, levanta seu braço e cria a gravidade, derrubando a ignorância, que não se machuca pois não há chão que seja agressivo a carne).

- Eu posso entender.

(Mais inconformado ainda da ignorância não estar ferida, levanta seu braço e o sangue faz escorrer. A irracionalidade sorri).

- Criaste minhas feridas, mas a elas não deste o dom da dor.

(Tremendo, levanta a mão mais um vez, e a dor emana das feridas alheias).

- ARGH. - Sente, prazerosamente. - FOI O QUE EU PENSEI! SEU PÉRFIDO MATERIALISTA! - Diz a ignorância, gargalhando.

(Arqui fica sem expressão).

- Não, a dor não pode causar riso! Isto esta errado! Você não pode fazer isso comigo! - Profere Arqui.

- Sim, eu posso. Sou uma mera (ela cerra os dentes de dor) cr-critura quimérica, que ha-haa-habita sua mente. - Respira calmamente - Quem não deveria estar misturando o mundo real com o ilusório é você. Aaargh hmmmm! - Ela aperta sua própria perna. - VOCÊ NÃO ME ENGANA! (Arqui derruba a mesa e urra de raiva) VOCÊ NÃO SUPORTA A VERDADE(!), VOCÊ OU ESTÁ EM COMA OU ESTÁ MORTO! VOCÊ NÃO SUPORTA O IDEALISMO, MESMO VOCÊ O EMANANDO!

(Lífer põe as mãos em sua cabeça, se curva para trás e puxa seus cabelos até arrancar alguns fios, mas, novamente fica ereto e calmo).

- Não é bem assim. - Ele esclarece. - Não é... - Caí para trás na cadeira dourada desconsolado. Enxuga um dos olhos, e, imediatamente lança os dois sobre o sofrimento de sua ignorância.

(A ignorância, mesmo sobre grande dor, prossegue em sua retórica).

- Veja, "hmmmmm", veja, você precisa me escutar sem que sua cólera interfira em sua cognição. - Aperta mais forte a perna. - Sabemos que você possuiu dois grandes amores, que não hesitaram em te amar reciprocamente. - Pisca as pálpebras repetidamente. - Todas as suas tentativas tiveram um final Sófocliano, inclusive com sua mãe.

(Arqui escuta silencioso, de cabeça baixa e rosto escondido).

- Você não consegue aceitar que o amor não foi feito para se ter um final feliz, mas, para prolongar a existência de um negócio. O amor surgiu no final da pré-história humana, aonde dois seres humanos, macho e fêmea, se uniam em um local para viver e estabelecer sua vida e sua produção de plantas, carnes bovinas, leites etc (a humanidade a altura havia se tornado sedentária e individualista, deixando o modo de produção comunal para adentrar no modo de produção asiático), este logo em seguida se tornaria uma fazenda, portanto uma propriedade rural, e, através da prole, passavam a propriedade para a próxima geração através do pretexto da família. Nada mais, nada menos, que o amor causar a maldita acumulação primitiva do capital.

(Arqui Lífer levantara seu rosto, extasiado com a sabedoria da ignorância).

- Como pode, você, ter tamanha sabedoria, como podes(?), logo tu demonstrar-se tão douta, logo a ignorância?

(Ela sorriu de canto).

- Eu não sou minha ignorância, sou sua, aliás, conforme seus medos e convicções, não sou ignorante a tudo. - Respondera. - Saiba que se você deixar de ser ignorante no quesito que eu faço sombra, você me mata, e em meu lugar nascerá outra ignorância relacionada a outra coisa, então lembre-se, dificilmente haverá uma ignorância tão solicita como eu, que ajudou espontaneamente a sanar seu obscurantismo.

(Ele a olhara com tristeza).

- E porque você escolheu me ajudar? - Perguntou.

(Ela sorriu por inteiro, mesmo sentindo a prazerosa e angustiante dor).

- Pois eu vivi com você desde o seu nascimento. Você possui dúvidas que jamais sanou, você me criara e alimentara com sentimentos inciêntes, por isso sempre tive dó de ti.

(Arqui chorou pelo seu esclarecimento).

- Um ser quimérico como eu, tão sublime, que serviu para algo mesmo na realidade não existindo; sou meramente um fruto da vossa vontade e criatividade. Isso é um adeus, Arqui. Mortes, as vezes, provocam coisas positivas.

(O corpo inanimado da ignorância abstraiu-se com o vento da realidade abstrata).

(Em andamento) Moría da Inversa Filáucia - Parte dois.Onde histórias criam vida. Descubra agora