2020

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O céu cinza está refletido em seus olhos vermelhos que escorrem poesia. A maresia no ar que invade nossas narinas ao respirar. Olho para você e tento ver o que tem além da luz da lua refletida em teu rosto. Te vejo distante e misterioso, intrínseco em seu próprio mundo. Aprecio a vista, degustando de cada detalhe. A maré se torna alta e o mar ameaça nos levar, me afasto, contudo você permanece estático, aéreo, como se não estivesse ali. Tento te chamar e te trazer pra perto de mim, longe do perigo do mar. Então você se move, porém é em direção às profundezas do oceano. Grito pelo teu nome, mas você parece não me ouvir. Grito mais alto, lágrimas escorrem meu rosto enquanto te vejo partir. Você sai do meu campo de visão, eu grito gritos de dor, a dor de uma perda. E em súbito acordo com um pulo, me encontro em minha cama coberto de suor. Mais uma noite sem você aqui.


Me levanto e caminho em direção à cozinha, ela parece mais vazia a cada manhã. A cafeteira solitária em um canto da bancada me encara. Preparo uma xícara de café preto e vou bebericando enquanto deslizo o dedo pela tela do celular sem muito interesse. Termino meu café e me preparo para sair. Visto uma calça qualquer que se encontrava no chão de meu quarto, coloco minha última camisa limpa e calço os mesmos tênis de sempre. Sigo para a estação de trem e embarco no primeiro, pessoas que carregam maletas com ar de importantes caminham ao meu lado. Chego, finalmente, ao trabalho. Me sento na mesma cadeira de todos os dias e ligo o computador que está na minha frente, uma máquina antiga que deve ter no mínimo uns 20 anos. A cadeira é desconfortável e a mesa baixa demais, porém continuo meu trabalho ignorando todos esses fatores.


Saio após um longo dia de 8h e me dirijo novamente a estação de trem. Enquanto espero, penso ter visto um rosto familiar, o seu rosto. No meio da multidão um garoto alheio ao mundo me olha, seu cabelo voa devido a um vento que atinge apenas você. Seus olhos fixos nos meus. Sinto o sangue esvair do meu corpo, a pressão baixar. Fecho meus olhos com o pensamento de que é apenas o sono falando, de que estou apenas alucinando.. mas quando os abro encontro você parado, estático no mesmo lugar. Pessoas passam apressadas e parecem não nos perceber parados olhando um para o outro. Caminho em sua direção com passos apertados em meio aos tropeços do medo, quando estou a menos de um metro de você sua imagem desaparece, mais uma vez te vi partir em meio ao mar.


SuplícioOnde histórias criam vida. Descubra agora