2020

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São cinco da manhã e as portas continuam se fechando pra mim. O futuro atrasando o tempo. Vago pela ilusão de como seria se você ainda estivesse aqui, de como seria ainda sentir teu toque ao alvorecer. Sem com que eu perceba, o tempo passa e chega a hora de ir para o trabalho. Estou tão cansado, tenho me privado do sono há dias, penso em desistir de tudo. Durante meu percurso rumo ao trabalho penso sobre minha vida. Alguém passa por mim e me convenço mais uma vez que sou apenas eu sonhando novamente que você esbarra em mim pelas ruas dessa cidade infernal. Chego ao trabalho, mas não vou para meu setor, dirijo-me diretamente a sala de meu chefe.

- Sim? - Osíris, um homem de cerca de 40 anos, calvo que usava roupas desgastadas, ergue a cabeça ao me ver entrar.

- Eu me demito. - finalmente digo aquilo que tanto me afligia.

- Perdão, mas quem é você? - indaga ele, erguendo uma das sobrancelhas

- Deimos Cipriano. - respondo me retirando de sua sala excepcionalmente abafada e mal iluminada.

Corro em direção ao infinito, sem destino certo. Sua falta já me deixava mudo, corroía as paredes de minha casa com tantas lembranças amargas. Contudo, nesse momento, nesse breve instante da eternidade, apenas estou correndo. Esqueço teu cheiro, teu rosto e teu nome. O vento bate contra meu rosto e bagunça meus cabelos. Sorrio. A chuva cai em minha pele lavando toda minha alma de nossas memórias.

Por trás das gotas da chuva vejo o mistério vermelho que se esconde nas sombras, o azul oscilando com o amarelo, as cores dançam, se movem com maestria, eu as acompanho na doce sinfonia do ar. Meu corpo suspira a cada gota que o atinge. Me entreguei à cidade, dei conta de quem realmente sou. Desde que você se foi, não tive sequer respiração, as coisas que você disse ainda ecoavam dentro de mim, mas naquele momento não, naquele momento eu estava apenas dançando na chuva sem pensar em você.

A noite parece surgir como uma cortina. As sombras caem sobre mim como um véu, a chuva se vai. Volto para casa, e durante o trajeto nem sequer pensei ter te visto, não pensei em você e em como poderia te encontrar a qualquer instante, nem esbarrei com nenhuma figura imaginaria que parecesse você. Passei por várias pessoas que transitavam a cidade sem muito ânimo, e em nenhum momento pensei que uma delas pudesse ser você. Não esperei sentir teu cheiro e te reencontrar, não esperei ver teus cabelos longos ou teu jeans rasgado. Eu estava apenas seguindo meu caminho após esquecer você.

No momento não tinha sequer uma perspectiva de vida, porém me senti livre, não apenas do trabalho, mas de você. Podia enfim recomeçar meus planos e fazer tudo aquilo que prometi antes de partir de mim e me perder mais a cada dia que passei em ti. Bom, pelo ao menos foi o que eu pensei antes de te ver.

SuplícioOnde histórias criam vida. Descubra agora