O ninho do dragão

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"Se você realmente me amasse-"

E é assim que sempre começa e termina tudo.

No meio da noite eu vejo o amor no canto do meu quarto

Seus muito braços e sua boca em um sorriso aberto.

Olhos brancos.

O amor é cego, mas nunca falha em tocar.

O toque suado, me acuando,

Arrancando e arrancando sem deixar nada no lugar.

"Se você apenas me amasse-"

O que é você, amor?

Olho em desconfiasse, tentando verificar a veracidade.

Ele é grande demais para caber ali dentro, sufocando o espaço e pisoteando meus pertences.

Se arrastando em suas muitas mãos para chegar mais perto.

"Se você realmente me amasse-"

O que é você, amor?

Não posso te ouvir, se não falar.

O amor é mudo, mas então como ele grita?

Demanda, em voz alta tudo o que quer de mim,

mas fica mudo quando pergunto o que vou ganhar em retorno.

Não seria troca equivalente?

As mãos escorregam e apertam, enquanto escapo entre os dedos,

me torno líquida, me torno nada.

"Do que tem medo?"

O sorriso dele é grande demais, suspeito demais.

Um som de desespero que não condiz com essa sombra gigantesca.

O amor chora, frustrado.

"Até quando vai fugir, com seus rótulos imaginários?"

Eu dou uma risada alta, pensando em todo esse absurdo.

Em como o amor se tornou apenas uma sombra no canto do meu quarto.

"Você é uma mulher ou um rato?"

Nem um nem outro.

Você não lembra?

Minha forma líquida se transforma, se agiganta em um som feroz.

A sombra do dragão o faz se encolher em desconfiança.

Eu sou grande demais para caber no espaço que ele queria. 

O amor se recolhe quando jogo fogo em sua direção.

Na claridade, sua sombra desaparece, como se nunca houvesse existido.

Provavelmente porque nunca existiu.


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