Capítulo 2: Reescrevendo a própria estória

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Um mês se passara desde a mudança, já era outubro e eu nem percebi, ocupada que estava tentando conseguir um novo trabalho como jornalista. Escrever poemas era divertido, mas likes não pagavam as contas e apenas a pensão não era suficiente. Consegui um bico como ghost writer de uma escritora famosa de livros hot com bloqueio literário. A grana era boa, conseguiríamos sobreviver pelos próximos três meses, talvez mais. Jorginho estava se adaptando melhor na escola e até se inscrevera em um concurso de discursos. Em inglês!

"E então, o que você achou?" Olhinhos castanhos me encaravam ansiosos.

"Bom, achei o discurso ótimo, mas você ainda parece um pouco nervoso." Olhei para o cronômetro do celular. "Você tem dois minutos para se apresentar e falou em pouco mais de um minuto e meio. Parece que quer que acabe logo!"

"E quero!" Ele deu de ombros, as mãos nos bolsos.

"Eu sei, filho, mas a plateia e os jurados não precisam saber. Respire fundo, tire essas mãos dos bolsos. Relaxe. Vamos tentar mais uma vez. Apresente-se com calma, depois comece o discurso. Pronto?"

Jorginho assentiu com a cabeça, chacoalhando levemente os cachos quase loiros que caiam sobre a testa..

"Um, dois, três e...valendo..." Comecei a nova contagem.

"Hello, my name is Jorge Moraes Teixeira Júnior. I am 12 years old and study at Colégio Crescer. My speech is about the importance of imagination." Jorginho respirou fundo. "Imagination goes beyond knowledge. Imagination is the ability to create and improve the human knowledge. Without knowledge, we would still be cavemen. Imagination also walks side by side with curiosity; together both can create unthinkable things. For example, without imagination, there wouldn't be a flag on the moon, electricity at home or even a house, without imagination, we would still be living in a forest without any comfort that we have today. Imagination is one of the few things that separate us from wild animals, the most precious treasure we have!" Jorginho levantou os olhos do papel que segurava. "Então, quanto tempo?" *

"Dois minutos cravados." Levantei os olhos do celular e sorri. "Muito melhor. Agora falta decorar o texto. Não acho que você vai poder ler na hora. Será que dá? Já vamos ter que sair daqui a pouco. O teatro fica longe e se a gente se atrasar você perde o concurso."

Jorginho suspirou. "Tudo bem, eu estudo no caminho. Pode chamar o Uber."

"Tem certeza?" Olhei-o por cima dos óculos.

"Tenho, mãe!" Ele revirou os olhos "Você reparou que tudo que eu decido você pergunta se eu tenho certeza?"

"Sério?" Eu ri enquanto digitava o endereço no aplicativo. "Reparei não. Hmmm, temos dois minutos. Vamos?" Coloquei os sapatos e peguei as chaves.

Jorginho, papel de discurso em punho, teve longos quarenta e cinco minutos para treinar no meio do trânsito caótico da região central da cidade até Pinheiros. Chegamos no final da apresentação do grupo anterior. Ainda deu um tempinho para um último ensaio, sem papel e lá estava ele em cima do palco, sorridente, enquanto o meu coração parecia a bateria da Mangueira. Minhas mãos suavam, geladas enquanto ele respondia as perguntas dos jurados, completamente despreocupado e conseguindo até mesmo tirar umas risadas de um inglês carrancudo.

Jorginho desceu do palco e sentou-se ao meu lado até o resultado final, que, para a surpresa de ambos, foi um belíssimo segundo lugar no discurso dos estudantes de inglês. O meu filhote me enchia de orgulho!


***



Lara e Aline criaram um grupo de meninas no Whatsapp e me incluíram: "As baladeiras". Éramos cinco, duas delas, a Camila e a Marcinha eu ainda não conhecia. Começou com uma enxurrada de "Bons dias" e mensagens motivacionais. Confesso que eu estranhei um pouco, era muito estímulo para uma introvertida.

Alma Nua - amostrinhaOnde histórias criam vida. Descubra agora