Apartamento Nº 2 - Paçoca

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Sulivan acordou cedo no dia 31 e ficou observando o teto até se atrasar, quando enfim levantou-se, se dando conta da fila que tomaria no banco, e se lamentando mais uma vez por ter perdido tanto tempo, mas isso era algo que ela não estava disposta a mudar.

Ela era uma garota ruiva e baixinha, com aparência infantil, mas já carregava 27 anos nas costas. Ela mal trocara palavras com os vizinhos, que sempre se perguntavam quem eram os pais daquela garotinha, que na verdade morava sozinha com 4 gatos.

Sua mãe faleceu no parto, e seu pai morreu de cirrose alguns anos antes, e ela vivera com a pensão de quando seu pai era militar, desde então.

Sulivan toma um longo banho, derramando calmamente a água quente e perfumada da bacia sobre o corpo magro e nu, e deixando escorrer enquanto respirava pausadamente com os olhos fechados, sob uma luz leve que entrara somente pelo pequeno basculante acima do chuveiro.

Ao sair do banho, ela se veste apenas com um longo vestido preto e faz uma trança lateral, seguindo a pé para o banco mais próximo.

Tímida, calada, e seguida pelo demônio de sua própria existência, que fora o causador da morte de sua mãe, e do alcoolismo que levara seu pai, ela segue pelas curvas sinuosas e ruas estreitas do Recife antigo até chegar no banco.

- Que fila enorme! Demos o azar de ficarmos no final. - Fala a garota negra que estava na frente dela na fila.

- Hm? - Sulivan responde, como quem não ouviu, apenas para evitar conversar.

- Meu nome é Mikaellen, e o teu? - Fala a garota.

- Sulivan.

- Que diferente! Você é daqui mesmo? Pela cor da sua pele, parece estar aqui há pouco tempo, ninguém é tão branco assim no sol do Recife.

- Nasci aqui.

- E quanto tempo faz isso?

- Quantos anos você acha que eu tenho? - Responde Sulivan.

- 20 e tantos.

Sulivan solta um sorriso, era a primeira pessoa que quase acertou sua idade, ao invés de chutar 15 anos.

- 27.

- Foi quase. - A menina sorri. - E eu?

- 29?

- 23. Todo mundo sempre pensa que sou mais velha mesmo. Você disse que nasceu aqui, mas estou curiosa sobre a cor da sua pele, você não sai de casa, não é?

- Com quem eu sairia? - Sulivan responde friamente.

- E emprego? Mora com seus pais?

- Meus pais estão mortos, vim buscar minha pensão da aposentadoria militar do meu pai, eu não trabalho.

- Eu também não trabalho, mas estou há procura já fazem 6 anos. Consigo fazer um bico ali e outro aqui, mas emprego anda difícil. Estou vindo sacar uma quantia de R$150, para pagar um curso de alongamento de unhas, assim consigo abrir meu próprio negócio.

Sulivan balança a cabeça.

- Olha, é a sua vez no caixa. - Fala Sulivan.

- Até que foi rápido, uau.

Mikaellen usa o caixa e sai do banco, acenando para Sulivan.

Sulivan usa o caixa logo em seguida e sai do banco, e enquanto espera o sinal fechar para atravessar, sente uma mão no seu ombro, e ao se virar, dá de cara com Mikaellen:

- Ei, olha, você disse que não tinha com quem sair... O que acha de sair comigo hoje? - Fala Mikaellen.

- H-hoje?

- Isso!

- Mas hoje é 31, vai ter um evento de Halloween no meu prédio. - Não era obrigatório participar do evento, mas Sulivan queria uma desculpa para não sair, não por não querer, mas por ser completamente insegura.

- Então me dá teu endereço, eu amo Halloween, e posso pedir uma pizza para a gente, se não for muito inconveniente.

Sulivan hesita, mas cede.

- Rua do Bom Jesus, sem número, tem uma delicatessen no térreo do prédio. O apartamento é o número 2, tem uma inscrição em dourado com o nome "Paçoca" na porta.

Mikaellen dá um beijo na bochecha de Sulivan e vai embora.

- Espere por mim hoje a noite. - Mikaellen fala ao ir embora.

Sulivan vira a esquina com um leve sorriso no rosto, e segue até a bomboniere.

- Nossa, quanta paçoca! Vai ter festa? - Fala a senhora do caixa.

- Evento de halloween no Veneza do Melaço.

- Eu acho que vou dar uma olhada mais tarde.

Sulivan refaz todo o seu caminho até chegar em casa, e ao chegar em casa:

- MEU DEEEUUUUSS!!! Freddie, Amy, Kurt, Slash, eu tenho um ENCONTRO! - Sulivan fala com seus gatos, enquanto abre a porta, se deparando com os 4 parados atrás dela.

- Já estava na hora, pensei que eu ia completar meus 13 anos, sem você dar um único beijo. - Responde a própria Sulivan, fingindo ser o Slash.

- Pode parar, Slash, não vem estragar minha felicidade não! Agora eu preciso arrumar essa casa, por que ela vem para cá. - Fala Sulivan.

- El'A'?? - Sulivan fala, fingindo ser a Amy.

- Isso mesmo, com um "A". - Sulivan tira os sapatos, corre e se joga na cama com a cara no travesseiro. - Não estou apaixonada, mas ainda nervosa, eu nunca trouxe ninguém aqui.

Sulivan se levanta num pulo e começa a arrumar a casa, que estava cheia de pêlos de gato.

São 18:32, dia 31 de outubro, a delicatessen estava cheia, e eis que toca a campainha do apartamento de número 2.

Sulivan abre a porta com um balde de paçocas na mão.

- Paçocas? - Sulivan oferece, sem saber o que fazer, ou como chamar Mikaellen para entrar.

- Acho que podemos deixar isso para depois... - Mikaellen segura Sulivan pela cintura.

- N-não acha rápido demais? - Sulivan gagueja.

- Você quer que eu pare?

Sulivan achou que era hora de confiar em alguém, e responde:

- Não. - Então ela toma a iniciativa do beijo, puxando Mikaellen para dentro.

Edifício e Delicatessen Veneza do Melaço.Where stories live. Discover now