Era sábado, 31 de outubro, 6:50 AM.
Isabel? Acorda, filha, você vai se atrasar. - Graça fala delicadamente, batendo na porta do quarto da filha.
Ahh, mãe! Hoje é sábado! - Reluta Isabel, se recusando a abrir os olhos.
Acho que você esqueceu que eu te matriculei no xadrez, na quarta feira.
Não vejo a menor graça em xadrez.
Não é para ter graça. Vamos, levante! - Diz Graça, abrindo a porta do quarto.
Isabel esperneia até sua mãe lhe puxar a coberta.
Após realizar o ritual de higiene matutino e rotineiro, Isabel vai até a cozinha e senta-se no balcão que era a mesa da família.
- Não consigo entender o porquê de você sempre me encher de atividades. Sabia que eu sinto falta de um tempo só para mim? - Falou Isabel.
- Eu só estou tentando fazer com que você gaste seu tempo em coisas úteis.
- Não conheço nada mais útil que dormir. - Rebate Isabel, esperando por alguma resposta, mas a única resposta que tem, é sua mãe errar a colher de cereal da boca.
- A senhora está bem? Parece não ter dormido muito bem.
- Eu tinha que carimbar algumas coisas do escritório, acabei não dormindo o suficiente. - Graça responde.
- Você deveria ganhar mais por isso, ou procurar um emprego mais decente.
- Isso é tudo o que está a meu alcance no momento, e devo ser grata por isto.
Isabel olha a hora pelo celular e levanta-se apressadamente:
- Eu preciso ir, mãe, lembrei que o pai da Camilla vai para o futebol hoje no mesmo clube da aula de xadrez, vou tentar conseguir uma carona. - Isabel beija sua mãe na cabeça e sai correndo enquanto come uma fatia imensa de bolo barra branca.
Na noite anterior, Graça havia chorado a noite toda sob uma pilhas de dívidas, mas ela não achava conveniente dividir isso com sua filha, e tratava de criar mais dívidas, desde que pudesse de alguma forma ocupar o vazio na mente de Isabel, que a falta de um pai alimentava.
Agora sozinha em casa, Graça volta a remoer suas dívidas, e põe-se a lamentar, até decidir ligar para sua melhor amiga virtual, a Wedja:
Na ligação:
- Ai, Wedja, eu consigo sentir que a Isabel quer um pai, eu vejo nos olhos dela a falta de uma figura masculina!
- O que é uma figura masculina para você? - Pergunta Wedja.
- Uma figura forte, independente, que tenha moral...
- Ok, agora cala a boquinha. - Interrompe, Wedja - Você criou a Isabel sozinha, longe da sua cidade natal e de qualquer vestígio parentesco, com seu próprio dinheiro e seu próprio suor. Isso já não é ser forte e independente o bastante?
- Mas sinto que fiz algo errado. A Isabel reage de forma muito inesperada a tudo! Tanto faz ela chorar porque perdeu um brinco e correr para o meu colo, como me expulsar do quarto e colocar a música nas alturas.
Wedja ri e responde:
- Ela está na pré-adolescência, é completamente normal oscilar de comportamento.
- É fácil para você falar, tem 3 filhos, dois já passaram por essa fase, e um nem fala ainda. - Retruca,Graça.
- Você acha que para mim foi fácil da primeira vez que um filho meu passou por essa fase?
- Eu tenho certeza de que fácil não foi, mas ao menos você tem o pai dos meninos.
- Dá pra parar de se auto depreciar? Se não quer ouvir meus conselhos, nem deveria ter me ligado.
- Nossa, que exemplo de amiga, você é! Vou dormir um pouco para esfriar a cabeça, não quero brigar. - Graça desliga antes que Wedja possa responder.
Graça se deita e luta com o travesseiro até encontrar uma posição confortável, mas não tem direito de aproveitá-la por muito tempo, já que o interfone toca em ligação conjunta com todos os apartamentos. Era Dona Dulce, lembrando a todos do grande evento açucarado que aquela noite traria.
Apesar de não estar nem um pouco animada para isso, Graça levanta-se, pega sua bolsa e vai comprar cocada, porque afinal, ela deu a ideia, em prol do sorriso de Isabel.
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Edifício e Delicatessen Veneza do Melaço.
De TodoO que há atrás de cada porta? Conheça a dura, misteriosa, cômica, trágica, e acima de tudo, a REAL vida dos moradores do Edifício e Delicatessen Veneza do Melaço, nessa coleção de crônicas, onde cada capítulo vamos adentrar numa realidade fictícia...