Apartamento Nº 3 - Caramelo de dado

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Era 30 de outubro. Carmen mais uma vez chegou tarde e cansada da faculdade e caiu no sofá, deixando a porta bater atrás dela. Não tinha sequer um prato sujo, já que desde que chegara na capital no começo do segundo semestre, para estudar arquitetura, não teve tempo para fazer uma refeição decente.

Todos os dias era a mesma coisa: Acordar, ligar a cafeteira, tomar um banho, ligar para a mãe no interior para dar bom dia, colocar uma tupperware de microondas e um miojo dentro da bolsa, e sair tomando o café pelas ruas até a integração que a deixava 3 ruas atrás da faculdade, para onde ela ia de bike alugada, porque em um horário ela prestava serviços de monitora no laboratório 3D para garantir sua bolsa, e no outro turno, estudava.

Nesse dia o trânsito estava terrível, talvez pior que os outros dias da semana, "Deve ser porque hoje é sexta", ela pensou, desejando não estar equivocada. Enquanto nos outros dias em 1 hora ela estava em casa, nesse dia, saiu da faculdade às 19:40 e só chegou em casa às 21:36.

Algumas horas depois, ela acordou, percebendo que dormira encima do papel manteiga dos calouros.

-MERDA! - Falou sozinha.

No Recife, o clima sempre está nas alturas, e Carmen acordou suando, decidindo tomar um banho que não estava na rotina. Foi até o banheiro e abriu o chuveiro, entrando de roupa e tudo. Sentou-se embaixo do chuveiro e deixou a água escorrer até se sentir acordada.

Logo a adrenalina da água gelada a despertou, e ela tirou a roupa, fechou o chuveiro e foi nua até a máquina de lavar, ligando ela, que já estava cheia.

Voltou ao banheiro e tomou um banho completo, se enrolou na toalha e foi até a cozinha preparar um café, que há alguns dias, vinha sendo seu melhor amigo.

Carmen sentou-se de toalha na borda da cama, tomando o café, quando enfim teve tempo para pegar o celular e ver a hora. Eram 3:10 da manhã do dia 31 de outubro, e tinha 4 chamadas perdidas de sua mãe, 1 notificação de depósito no aplicativo do banco, e 1323 mensagens não lidas do grupo dos calouros de arquitetura.

-Emocionados... - Carmen deu um sorrisinho lembrando de que também já foi empolgada assim. - A mamãe deve ter tentado ligar para avisar que depositou o dinheiro do aluguel, amanhã retorno para ela.

A mãe de Carmen criou a filha sozinha com a ajuda da avó, e tinha mais um casal de filhos gêmeos, quase 10 anos mais novos que Carmen. Quando Carmen passou no vestibular, foi o maior orgulho da família, e a mãe se prontificou a pagar o aluguel de Carmen, já que a alimentação quase sempre era cedida gratuitamente pela universidade. Mas como a empresa era terceirizada, vivia em greve, e mesmo Carmen não se vendo mais tão empolgada, ela preferiu estagiar como monitora no curso, para receber uma pequena mixaria que fosse o suficiente para alimentação, do que ter feito sua mãe pagar os 3 últimos anos de um aluguel tão caro, para depois abrir mão do curso. Ela e sua mãe sempre foram muito próximas.

Apesar de tudo, mesmo com a mixaria, Carmen mal se alimentava, sempre seu café da manhã era um copo térmico de café, seu almoço era um miojo preparado no microondas do diretório acadêmico, e seu jantar era a vontade de descansar, que ela precisava engolir sem tirar um único cochilo.

Carmen tomou seu café, colocou a xícara no móvel de cabeceira e dormiu enrolada na toalha.

Dia 31. Carmen repetiu toda a sua rotina, e ao fim do dia, achou estranho chegar em casa e ver a delicatessen lotada.

           - O que está havendo aqui, Dona Dulce? - Carmen falou com a síndica.

            - É o evento de halloween do nosso prédio, foi ideia da Graça.

            - E como eu não estava sabendo disso?

            - Você mal para em casa, menina! Espero que tenha lembrado de comprar o caramelo de dado. - Falou Dona Dulce.

            - Porque caramelo de dado?

            - Por que é o doce que está gravado na sua porta. Cada apartamento vai oferecer para as crianças, o doce que lhe nomeia.

            - Quanto custa um pacote disso? Onde eu encontro?

            - Custa uns R$5,00, em qualquer bomboniere.

            - Mas onde eu vou achar bomboniere aberta? São quase 21:00.

            - Então pegue um punhado no estoque da delicatessen, depois você me paga R$5,00 a mais no aluguel.

            - Obrigada, Dona Dulce. - Falou Carmen, dando a volta no balcão e tirando um punhado de caramelo de dado da vitrine, e subindo para o apartamento de número 3.

Edifício e Delicatessen Veneza do Melaço.Where stories live. Discover now