capítulo 3

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   Abro meus olhos e encontro Lorena, sentada adormecida numa poltrona ao meu lado. Observo o ambiente frio e hostil. A porta se abre e uma enfermeira de meia idade se aproxima. 

  - Noite difícil? - ela pergunta olhando para minha roupa do trabalho e um curativo no topo na minha cabeça.

   Ela levanta uma prancheta próxima a mim e começa a anotar algumas coisas.

   Me sinto tonta. Fico em dúvida se possivelmente eu estaria embriagada ou sob efeito de algum medicamento.

   - Você já sentiu como se algo não estivesse certo? - pergunto meio rouca, ainda processando tudo o que havia acontecido em menos de uma semana.

   A velha arqueia uma das sobrancelhas e me observa com um olhar curioso.

   - Nada nunca deu certo pra mim. Minha vida é um erro. Em todos os sentidos. Familiar, profissional, amorosa, financeira. Eu me esforço pra que tudo dê certo. Eu sempre dou o melhor de mim. Mas é como se tudo fosse em vão. Não adianta me esforçar mais. Eu estou presa em um lugar que eu não consigo me encaixar.

   A senhora segurou minha mão e hesitou por um instante.

   - As vezes eu tenho a mesma sensação.

   Ela tira de seu jaleco uma pequena caixa cor de cinza fosco.

   - Isso pode te ajudar a resolver seus problemas. Você é uma jovem forte e esperta, saberá o que fazer.

   Eu agradeço e no mesmo instante, após ser retribuído com um sorriso, a senhora se vira abre a porta e, antes de sair, se despede:

   - Até logo, senhorita Alice. 

   Como ela sabe meu nome?

   Como se lesse meus pensamentos, ela aponta pra prancheta ao meu lado, próxima da poltrona onde minha amiga dormia profundamente.

   - Seu nome está escrito ali. - ela fala, e enfim vai embora.

   Observo a caixinha e poucos instantes depois Lorena acorda, e se anima por saber que estou bem. Olho no relógio no topo da porta rústica e sem cor. Ainda é noite. Fazem apenas duas horas que tudo aconteceu. 

   - Os meninos estão lá embaixo no café. Nos estávamos muito preocupados, Rafael precisou até tomar uns calmantes..

   - O rafa está aqui? 

   - Sim. Ele foi comer alguma coisa com Lucas e Caio. Se ele não tivesse te carregado, poderia até ter acontecido coisa pior, tipo bater a cabeça no chão ou no balcão ou sei lá. Aí, meu amor, que bom que você está bem.

   - E a Vanessa?

   Lorena franziu a testa, confusa.

   - A loira que me atacou.

   - Ah, claro. Quando o atendente viu ela te atacar, ele chamou a polícia na hora. Não temos notícia dela, mas tenho certeza que levaremos aquela nojenta logo. Pode deixar que eu vou ligar pro meu pai e pedir pra ele contrat...

  - Não precisa. Parte disso foi minha culpa. Deixa que eu me resolvo com ela assim que possível. 

   Lorena não entende o que eu quero dizer, mas eu não explico. Não estou pronta ainda. 

   Conversamos por alguns minutos até uma enfermeira entrar pra checar se eu estou bem. Após alguns exames, eu já estou autorizada a ir pra casa.

   Vou ao café me encontrar com os garotos. Rafa, Lucas e Caio estão sentados em uma mesa do centro. Me aproximo, sorrindo.

   - Acho que vou precisar de uma carona pra voltar pra casa.

   Rafa me abraça. Fico feliz por tê-lo por perto, mas sua presença ali já não era a mais importante.

   Caio e Lorena me levam ao meu pequeno apartamento classe média-baixa localizado a pouquíssimos quilômetros da praia. Eles me deixam na porta e vão embora, me fazendo prometer ligar mais tarde pra falar que estou bem.

   Subo as escadas e abro a porta. Sinto o cheiro de lavanda de um aromatizador barato que eu comprei em uma lojinha do centro. Meu gato preto está deitado no meu sofá. Sua tranquilidade me traz um pouco de paz, e por alguns segundos esqueço da bagunça que está minha vida.

   Deito na minha cama e tento descansar um pouco. Fecho os meus olhos e me aproveito do pouco que restou da minha embriaguez. O suficiente para dormir o tempo que não pude durante a semana.




   Levanto e abro a janela. O céu está alaranjado e o sol já está quase nascendo. Abro meu guarda-roupa e visto minha peça preferida: um vestido amarelo simples com meu par de all star preto. 

   Pego minhas chaves e a caixinha misteriosa que a velha me deu. Desço, pego minha moto e vou pro lugar que eu mais amo no mundo, que me traz liberdade: a praia.

   Ao chegar lá, estaciono na calçada e tiro meus tenis. Descalça, me aproximo da praia e caminho pela areia. Sento ali, e em poucos minutos eu já conseguia sentir um pouco de sossego. Era como se o barulho do mar e a areia no meu corpo fossem capaz de acabar com toda a minha angústia.

   Depois de um tempo, tiro a caixa do meu bolso. Imagino que tipo de presente seria capaz de me ajudar. Alguns chocolates? Um cheque de dez mil reais? O anel de ouro que pertenceu à mãe da bisavó dela?

   Abro a caixa. Há um celular ali dentro. Deve ser algum aparelho que ela comprou e não sabe usar, penso rindo. De fato, é uma senhora muito simpática. 

   Procuro os botões de volume e buracos para o carregador e fone de ouvido. Não há nada. Há apenas um botão. Imagino que deve ser um daqueles modelos rústicos. Aperto esse botão,  curiosa com o que pode acontecer.

   A tela exibe um clarão branco, praticamente impossível de enxergar. Levanto e jogo o aparelho no chão, cobrindo meus olhos incapazes de enxergarem o que está acontecendo ao meu redor. Em alguns segundos, a luz se cessa progressivamente e, aos poucos, consigo enxergar novamente o ambiente.

   A praia está diferente. Olho ao redor e não há mais a cidade. A calçada sumiu. Minha moto sumiu. As pessoas sumiram. O barulho de carros sumiu. Agora era só eu e a praia. Por trás havia um enorme vazio.

   Pego o celular na minha mão. Ele ainda está desligado.

   Deve ser a pancada que eu levei na cabeça. Logo, logo estarei melhor. Me sento na areia e continuo a observar o mar, tendo certeza de que em alguns minutos tudo voltará ao normal. Um tempo depois, ouço um som vindo de longe. 

   Olho pra trás e um cara montado em um cavalo de aproxima. Ele está vestido com roupas idênticas ao meu bisavó. Uma calça branca, blusa de botões bege com golas super elaboradas e um sobretudo cinza. Fico em dúvida se eu estou pirando ou tem uma festa a fantasia muito louca aqui perto. Se tiver, este sujeito está levando super a sério.

senhorita Onde histórias criam vida. Descubra agora