Capítulo 10: A ferro e fogo (literalmente)

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Com as barrigas satisfeitas, Asta e Demogorgon saíram da pizzaria. Asta estava feliz por vencer a aposta, enquanto Demogorgon sentia seu orgulho fervendo em sua garganta. Ainda assim, ele tinha feito uma nova descoberta. Voltaria depois, quando ninguém estivesse vendo, para verificar se as ilusões do mundo humano eram mesmo dignas de sua atenção. Ou não. Talvez ele simplesmente passaria a evitar qualquer interação material, para não se apegar. Tudo dependeria de como seu corpo reagiria a longo prazo.

Asta saltitava. Seu sorriso bobo era aparente e ela cantarolava baixinho, olhando para as vitrines das lojas pelas quais passava. Demogorgon estava procurando um lugar discreto e escuro para se teletransportar ao Inferno. Entraram atrás do estacionamento de um supermercado e Demogorgon fez o mesmo ritual de sempre. Asta não se sentiu enjoada daquela vez, mesmo tendo acabado de jantar. Mesmo que isso tenha deixado-a contente, não a fez menos curiosa.

— Você está ficando bom nessa coisa de teletransporte — ela elogiou, de repente. — Eu não estou me sentindo mal mais.

— Você se sentia mal antes? — ele indagou, puxando as mangas e deixando cair a máscara de humanidade.

— Bem... — Ela fez uma cara de quem tinha falado demais. — Era só um enjoo de leve. Nada demais.

Demogorgon suspirou, arrumando as luvas negras. O jeito como ele a observou foi um misto de confusão e ponderação. Ela não tinha sido quem ele esperava encontrar no círculo de invocação e as coisas começaram por aí. Sua força e talento eram inquestionáveis. Já seu juízo e inteligência, nem tanto. O que ele podia ter certeza, pelo menos por enquanto, era sua falta de submissão. Embora ela tivesse assinado o contrato, não se considerava sua serva. Ele sabia que as relações de trabalho eram diferentes no mundo mortal, dependendo do contrato. Existia escravidão, assim como colaboração. Ele apenas precisaria ensinar a ela como era ser uma empregada no submundo.

Mas algo lhe dizia que ele teria muito trabalho.

— Desde o início deste contrato, tenho percebido uma falta de sintonia entre nós dois — ele iniciou seu discurso, sem saber se ela realmente entenderia. — Você não gosta de mim e eu não gosto de você. Este atrito entre nossas ideologias está interferindo na sincronização. É mais difícil para mim equilibrar nossos corpos no caminho psíquico. No entanto, se você conseguiu percorrer o trajeto psíquico plenamente, significa que nossa relação está mais harmônica. — Sua voz se tornou mais baixa. — Isso quer dizer que você finalmente está ficando mais obediente.

— Ou... isso quer dizer que você está me odiando menos — ela respondeu, no mesmo tom. — Eu sabia que você não era tão frio assim, mesmo eu sendo humana.

— Isso é impossível! — ele gritou, quase que desesperadamente. — Sua espécie continua sendo repulsiva e sempre será. E pare de me chamar de "você". É esta sua falta de respeito que corrompe a hierarquia natural.

— Desculpe, Sr. Laern — ela soltou uma risadinha, cobrindo a boca com as mãos.

— Você parece uma criança. Amadureça, de uma vez.

Demogorgon lhe deu as costas e saiu andando sem olhar para trás. O lugar também era um pouco escurecido, mas não era uma câmara. Era um extenso corredor, cujo fim não se podia ver. As paredes eram cinzas, antigas mas bem construídas. Claramente era um lugar bem mantido. No teto circular, haviam pequenos lampiões de teto modernos. Não chegavam a ser como lâmpadas comuns, mas aquele era o Inferno. Não tinha nenhum compromisso com a industrialização da superfície. A maioria dos demônios prefere manter alguns costumes, ainda que não fosse Demogorgon o responsável por aquele trabalho.

Enquanto ambos caminhavam, Demogorgon segurava os mapas na mão e se orientava. Passaram por muitas entradas, como uma toca repleta de buracos. Cada túnel levava a um determinado local e o Lorde demoníaco tinha que escolher o certo e continuar seu caminho. Seus passos eram extremamente discretos e não faziam barulho quase nenhum. Pensou que teria que repreender sua guerreira pelo menos umas dez vezes, mas para sua surpresa, ela não tinha lhe dirigido a palavra uma única vez durante todo o trajeto.

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