O reencontro de suas lamparinas quase levou o sr. Corbeck à loucura. Pegou-as uma por uma e as contemplou como se fosse o objeto de seu amor. Em sua alegre agitação, respirava com tanta força que parecia o ronronar de um gato.No silêncio, ouviu-se a voz do sargento Daw como uma dissonância numa melodia.
— O senhor está absolutamente certo de que estas lamparinas lhe pertencem e que são as que lhe foram roubadas?
A resposta veio indignada.
— Certamente. É claro que estou certo disso. Não existe no mundo inteiro uma segunda coleção igual a esta.
— Desde que tenha certeza...
Essas palavras saíram bem claras, conquanto eu tivesse reparado que o detetive estava muito nervoso. E prosseguiu:
— Quem sabe talvez haja parecidas no Museu Britânico ou estas sejam de propriedade do sr. Trelawny. Como sabe, sr. Corbeck, não existe nada de novo sob o sol. Nem mesmo no Egito. Portanto, é bem possível que estas aqui sejam as originais, e as suas, apenas cópias. Será que não existem indícios que possam identificá-las como suas?
O sr. Corbeck ficou furioso e se descontrolou. Na sua raiva soltou uma torrente de frases incompreensíveis, sem deixarem de ser significativas:
— Identificar! Cópias! Museu Britânico! Baboseira! Ora, é provável que haja na Scotland Yard alguns destes exemplares como amostra, para que os policiais idiotas aprendam alguma coisa sobre egiptologia. Se eu as reconheço? Então eu não as trouxe junto a mim, durante meses, no deserto? Não as fiquei vigiando noite após noite a fim de protegê-las? Não as observei através da lente de aumento durante horas seguidas até que meus olhos ficassem doendo? Até que eu conhecesse cada pontinho, cada arranhão e cada lasca tão bem quanto um capitão conhece seu mapa marítimo? Tão bem quanto o senhor é certamente conhecido pelos gatunos que estão por trás disso. Veja, meu jovem, olhe para isto!
Colocou as lamparinas numa fileira.
— O senhor algum dia viu lamparinas iguais a estas? Olhe bem para estas figuras cinzeladas. Já teve alguma vez uma coleção tão perfeita diante dos olhos? Veja com atenção; em cada uma é possível reconhecer um dos sete personagens de Hathor. E olhe para esta figura de Ka, uma princesa dos dois Egitos, que é colocada sobre a barca dos mortos, entre Ra e Osíris. Veja como os olhos do sono estão sobre suas pernas e inclinados ante ela. E, no Norte, levanta-se Harmochis. Algo semelhante poderá ser encontrado no Museu Britânico ou em Bond Street? Será que seus estudos no Museu Gizeh, em Fitzwilliam, em Paris, em Leyden ou Berlim lhe mostraram que este episódio foi apresentado com muita precisão em hieróglifos e que estas são apenas cópias? É evidente que poderá me explicar o que significa a estatueta de Ptah-Seker-Ausar, que segura Tet embrulhada num cetro feito de papiro. Já chegou a vê-la no Museu Britânico, em Gizeh ou mesmo na Scotland Yard?
Ele interrompeu um pouco a peroração e continuou, num tom de voz bem diferente:
— Hum, parece-me que sou eu quem está fazendo o papel de idiota cabeçudo. Perdoe a grosseria, meu caro. Mas a ideia de que eu não reconheceria estas lamparinas me pôs fora de mim. Por favor, não me leve a mal.
O detetive respondeu com sinceridade:
— De modo nenhum, senhor. Ao contrário, agrada-me quando as pessoas com as quais tenho que tratar são francas, tanto quando estão do meu lado quanto do lado oposto. É na hora em que se está fora de si que a verdade aparece. Eu me controlo porque faz parte de minha profissão. O senhor sabe que nestes dois últimos minutos me revelou mais sobre as lamparinas do que um cientista o faria numa palestra sobre suas características?
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Os sete dedos da morte
TerrorOs sete dedos da morte (1903) narra o mistério em torno de Abel Trelawny, um velho paleontólogo que é encontrado inconsciente com um terrível ferimento no braço. Após isso, diversos acontecimentos estranhos tomam conta das madrugadas de vigília.