XX - GRANDE EXPERIÊNCIA

45 6 0
                                    


Se ainda houvesse necessidade de uma prova de como todos aceitamos a existência espiritual da rainha Tera como um fato, seria possível avistar nessa prova a transformação pela qual passamos em poucos minutos depois que Tera, como todos acreditávamos, renunciara por sua livre e espontânea vontade a seu gênio tutelar, pela boca de Margaret.

Apesar da aproximação iminente da experiência, cujos sentido e objetivo estavam sempre diante dos nossos olhos, notou-se em nossos rostos um enorme alívio. Aqueles dias horríveis em que o sr. Trelawny ficara em transe eram inesquecíveis. Quem ainda não passou por isso não pode avaliar o que significa viver em temor constante diante de um perigo desconhecido, que poderia advir a qualquer momento e sob qualquer forma.

Essa transformação se tornou visível em diferentes aspectos, de conformidade com a natureza de cada um. Margaret ficou deprimida. O dr. Winchester demonstrava euforia e muita atenção. O pensamento lógico que nele teve o efeito de um antídoto contra o medo e o livrara da compulsão aumentou agora seu fervor intelectual. O sr. Corbeck parecia mais voltado para o passado do que propriamente fazendo especulações no presente. Eu mesmo me sentia aliviado. Meu temor com relação a Margaret deu lugar a um sentimento de tranquilidade.

O sr. Trelawny era aquele que menos deixava transparecer uma mudança. O fato poderia ser natural, pois ele aspirava ao que hoje tínhamos diante de nossas vistas, há longos anos, de modo que qualquer acontecimento ligado à experiência era para ele apenas um episódio, um passo que o levaria para sua meta. Ele fazia parte daquela espécie de líderes que têm somente o objetivo diante dos olhos e vê tudo o mais como acessório. Agora também não piscava nem desviava o olhar, ainda que sua horrível rigidez tivesse relaxado um pouco. Pediu que nós, os homens, fôssemos com ele. Nós o seguimos até o hall, onde pegamos uma mesa de carvalho e a colocamos na caverna, uma mesa bastante comprida e muito larga. Nós a pusemos bem no meio, sob as luzes elétricas que havíamos trazido. Margaret se aproximou. De súbito, porém, empalideceu e perguntou assustada:

— Pai, o que pretende fazer?

— Quero desenrolar a múmia do gato. Hoje a rainha Tera não vai mais precisar de seu gênio protetor. Se ela necessitasse dele, isso poderia ser perigoso para nós. Portanto, temos que nos precaver. Não está com medo, querida. Está?

— Oh, não! — Foi sua resposta apressada. — Mas tenho que pensar em meu Silvio e no que eu faria se fosse a múmia que deve ser desenrolada.

O sr. Trelawny colocou facas e tesouras de prontidão e suspendeu o gato, pondo-o sobre a mesa. O início do nosso trabalho foi realmente horripilante e cheguei a ficar desanimado só em pensar no que poderia nos acontecer no meio da noite nesta casa solitária. O sentimento de abandono e isolamento do resto do mundo foi reforçado pelo assobio do vento, que aumentava ameaçadoramente, e do bater das ondas no rochedo abaixo de nós. Mas o dever que tínhamos pela frente era sério demais para que nos deixássemos envolver por circunstâncias alheias à nossa tarefa e começamos a desenrolar a múmia.

A quantidade de ataduras era incrível e o ruído do dilaceramento — já que estavam firmemente grudadas por uma mistura de asfalto, resina e especiarias —, juntamente com um pozinho vermelho ardido que se desprendia, oprimia nossos ânimos. Assim que o último invólucro foi retirado, vimos o gato sentado diante de nós. Estava todo agachado e tinha cabelos, dentes e garras intactos. Os olhos estavam fechados, porém as pálpebras não davam a impressão selvagem que eu esperava ver. Os longos bigodes foram apertados de encontro à cabeça pelas ataduras, mas agora, que não havia mais pressão, eles voltaram à posição primitiva, como se o animal estivesse vivo. Era uma criatura magnífica, um gato de um tamanho fora do comum. Porém, o medo dissipou nossa admiração quando verificamos ao primeiro olhar que nossos temores infelizmente haviam se confirmado: focinho e garras exibiam vestígios de sangue seco que de modo algum podiam ser antigos.

Os sete dedos da morteOnde histórias criam vida. Descubra agora