XIII - DESPERTAR DO TRANSE

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Qualquer pessoa que ouve palavras inesperadas é muito natural que leve um susto. Mas quando passa o primeiro choque e a razão predomina, a reação e o modo de falar do que fica escutando às portas nos revela muita coisa. O mesmo aconteceu neste caso. Não pude deixar de desconfiar da sinceridade da próxima pergunta de Margaret.

— Sr. Ross, sobre o que conversavam os dois todo esse tempo? Suspeito que o sr. Corbeck estava a lhe relatar as aventuras por que passou durante sua caça às lamparinas. Sr. Corbeck, espero que um dia o senhor também me conte tudo. Mas depois que o estado de saúde de meu pai melhorar. Certamente ele mesmo gostaria de me contar sobre todas essas coisas ou de estar a meu lado quando eu as ouvir. — Seu olhar atento ia de um para outro. — Era desse assunto que falavam quando entrei? Bem, saberei esperar. Tomara que não seja por muito tempo, porque a duração do estado em que se encontra meu pai me consome, eu o sinto. Mesmo, agora, tive a impressão de que meus nervos estavam em frangalhos. Resolvi que uma caminhada pelo parque me fará bem. Sr. Ross, eu lhe pediria que ficasse com meu pai. Assim ficarei bem mais sossegada.

Levantei-me de um salto, muito feliz porque a pobrezinha se permitia uma meia hora ao ar livre. Ela parecia muito tensa e macilenta, e o aspecto de suas faces brancas me doía o coração. Fui para o quarto do doente e tomei meu lugar de costume. A sra. Grant estivera de guarda até aquele momento. Não julgávamos necessário manter mais do que uma pessoa vigiando durante o dia. Logo que entrei, ela teve a oportunidade de demonstrar suas qualidades de dona de casa. As persianas estavam subidas e, como o quarto ficava na parte norte, a luz do sol era bastante suavizada.

Durante um longo tempo, fiquei sentado a pensar sobre tudo o que o sr. Corbeck me contara. Misturei o que eu ouvira dele com os fatos acontecidos desde que entrei naquela casa. Fui atormentado temporariamente por dúvidas. Suspeitava de tudo e de todos, desconfiava até da capacidade de meus sentidos, e sempre voltava a meditar sobre as advertências do detetive experiente. Ele havia acusado o sr. Corbeck de refinado mentiroso e de cúmplice da srta. Trelawny. Cúmplice de Margaret. Com isso, tudo estaria decidido. Tal suspeita fez desaparecerem todas as dúvidas, principalmente quando me vinha à memória sua figura, seu nome, e só o fato de pensar nela era como se ela estivesse ali presente. Eu era capaz de apostar minha vida para poder acreditar nela.

Fui asperamente acordado de meus sonhos que já iam se transformando em sonhos de amor. Uma voz se fez ouvir, uma voz profunda, forte e dominadora. O primeiro som já me pegou como um golpe de trombeta. O doente acordara e começara falar:

— Quem é o senhor? O que faz aqui?

Sempre estivemos à espera de seu despertar, mas ninguém poderia imaginar que fosse tão repentino nem que estivesse de posse de todos os seus sentidos. Fiquei tão surpreso que minha resposta foi mecânica:

— Eu me chamo Ross e estava de vigília à sua cabeceira.

Foi a vez dele de se espantar, mas reparei que seguia seus hábitos e que desejava ele próprio fazer um julgamento.

— De vigília? O quê? Por quê?

Seu olhar pousou sobre a mão enfaixada, e ele prosseguiu num tom menos agressivo, querendo tomar conhecimento dos fatos.

— O senhor é médico?

Um sorriso me aflorou aos lábios, porque o alívio depois do longo período de tensão se fizera notar.

— Não, senhor — retruquei.

— Por que, então, está aqui? Quem é o senhor se não é médico?

Isso soou novamente de modo imperioso. Os pensamentos trabalham rapidamente. Toda a cadeia de pensamentos em que deveria se apoiar minha resposta perpassou minha consciência antes que eu pronunciasse alguma palavra. Eu tinha que pensar em Margaret. Este que aqui estava na minha frente era seu pai, que nada sabia a meu respeito nem desconfiava da minha existência. Era, portanto, natural que ficasse curioso e espantado, porque logo eu, devido à doença do pai, fora escolhido pela filha para ser amigo dela. Normalmente os pais têm a tendência de ver o escolhido da filha com certo ciúme, e eu, que não declarara ainda meu amor a Margaret, não devia fazer nada que pudesse colocá-la numa situação desagradável.

Os sete dedos da morteOnde histórias criam vida. Descubra agora