No princípio, o sargento Daw fez objeções, mas resolveu nos aconselhar particularmente sobre o assunto que lhe seria exposto. Acrescentou, porém, que estaria nossa disposição apenas para aconselhamento. Caso houvesse necessidade de uma participação mais ativa, precisaria consultar primeiro seus superiores.Neste momento eu o deixei sozinho no escritório e fui buscar a srta. Trelawny e o sr. Corbeck. Antes de sairmos do quarto do doente, a enfermeira Kennedy retomou seu lugar ao lado da cama. A maneira cuidadosa, prudente e precisa com que o viajante expôs seu caso me encheu de admiração. Parecia nada ocultar, e, no entanto, a descrição dos objetos perdidos foi tão nítida que não o comprometeu. Nada omitiu a respeito da charada existente no caso, porém deu a entender que se tratava de um simples roubo de hotel. Se alguém soubesse como eu ser esse seu objetivo primordial, isto é, tentar recobrar os objetos antes de ser descoberta sua proveniência, esse alguém reconheceria o dom intelectual que se escondia por trás dele quando foram feitas as referências objetivas de modo a não se trair.
Deveras, pensei comigo mesmo, esse homem aprendeu muito bem a lição que recebeu nos bazares do oriente. E graças à sua inteligência ocidental superou seus mestres. Apresentou suas ideias ao detetive, que, após pensar um pouco, falou:
— Cadinho ou balança, eis a questão.
— O que isso quer dizer? — perguntou o outro, atento.
— É jargão dos ladrões de Birmingham. Pensei que todos conhecessem nos dias de hoje, porque se fala muita gíria. Antigamente os ourives que trabalhavam com ouro e prata comprovavam os metais preciosos que lhes eram oferecidos e o preço do metal dependia de o objeto ser fundido. Nesse caso, era o comprador quem estipulava o preço e o cadinho permanecia pendurado sobre o fogo. Se o objeto conservasse a forma, era posto na balança e pago o preço padrão de sucata. Na época atual não encontramos nada muito diferente. Quando procuramos relógios roubados, muitas vezes somente se salvam os mecanismos, mas é impossível separar rosetas e molas numa grande pilha. Pelo contrário, é raro encontrarmos as caixas dos relógios. No presente caso, tudo depende se o ladrão é um homem bom, isto é, se conhece seu ofício. Um meliante de classe sabe com certeza se um objeto tem valor ou se é apenas sucata. Se assim for, ele o dará para alguém que mais tarde possa dar um golpe, na América ou talvez na França. De resto, acreditam que, além dos senhores, alguém mais reconheceria as lamparinas?
— Ninguém.
— Existem outras iguais a essa?
— Não que seja do meu conhecimento, ainda que possa haver algumas bastante parecidas.
O detetive fez uma pausa antes de retomar as perguntas.
— Uma pessoa instruída, alguém no Museu Britânico, por exemplo, um comerciante ou um colecionador como o sr. Trelawny, poderia reconhecer o valor artístico das lamparinas? — Com toda a certeza. Qualquer um que tenha olhos na cabeça poderá imediatamente ver que se trata de preciosidades.
A fisionomia do detetive se iluminou.
— Então existe uma chance. Se sua porta estava fechada e a janela, aferrolhada, as coisas não teriam sido acidentalmente roubadas por uma camareira ou um criado. Como aconteceu, foi premeditado, e a pessoa não vai se separar do produto do roubo sem exigir um resgate. É preciso, pois, confiar nos donos das lojas de penhor.
— Concordo. Não seria bom dar conhecimento do fato à Scotland Yard. Nossa chance está em manter segredo.
Após ligeira pausa, o sr. Corbeck falou em voz baixa:
— Presumo que não tenha noção alguma de como se deu o roubo, certo?
— Sem dúvida, de modo bastante fácil, senhor. Todos esses roubos misteriosos são de uma enorme simplicidade. O ladrão conhece sua profissão com todos os truques e está sempre atento a todas as possibilidades. Além disso, sabe por experiência própria como aproveitar as possibilidades e como elas geralmente acontecem. O oponente, ao contrário, conta apenas com a prudência. Não se pode saber todos os truques e armadilhas. Um pequeno descuido é suficiente para a armadilha disparar. Quando viermos a saber de tudo sobre o caso, os senhores se espantarão por não terem percebido logo o método empregado.
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Os sete dedos da morte
HororOs sete dedos da morte (1903) narra o mistério em torno de Abel Trelawny, um velho paleontólogo que é encontrado inconsciente com um terrível ferimento no braço. Após isso, diversos acontecimentos estranhos tomam conta das madrugadas de vigília.