À Deriva

22 0 0
                                    

A mulher despertou com o baque de uma porta sendo batida.
Tentou abrir os olhos, mas não conseguia o fazer,  nada vía além da escuridão.
Pôs-se a prestar atenção aos sons do ambiente, e o silêncio era quebrado pelo roncar de máquinas e pingos próximos da cama onde estava deitada.
Tentava forçar a visão, mas sequer vía alguma claridade pelas pálpebras.
Sentindo-se cansada, adormeceu.
Acordou com barulhos em sua volta, alguém havia ligado uma televisão. Ela forçava abrir os olhos e se mexer, mas as tentativas foram em vão. Ouviu então o som de uma cadeira sendo puxada próximo à ela.
-Vai ficar tudo bem- a voz masculina que ela mais conhecia lhe falou bem perto- Logo irá melhorar.
A voz era baixa e pausada, como se houvesse algo mais a dizer. Passou-se um tempo no silêncio, e a cadeira voltou a ranger.
-Até amanhã,- a voz lhe disse, não mais ao lado dela- mãe.
Sentia vontade de chorar, era como se houvessem correntes a prendendo até a garganta, não conseguia soltar-se delas, suas lágrimas ficaram apenas na imaginação.
Tentava prestar atenção à televisão, mas nada conseguia ouvir. Se era dia ou noite, não fazia ideia.
Caia no sono repetidas vezes, o tédio lhe fazia ficar ainda mais perdida.
Ouvia passos no ambiente em que se encontrava, vozes diziam coisas fúteis e logo saiam.
Acostumara-se com o barulho de pingos perto de si, de alguma maneira, a acalmava, a fazia se sentir menos solitária. Já com o escuro, era como se cada vez a engolisse mais, constantemente a sensação de estar caindo nele e se perdendo em um buraco negro.
Seu filho aparecia algumas vezes, sentava-se ao seu lado e falava poucas palavras, suspirava e logo partia.
Ela tentava contar as vezes em que o rapaz a visitava, as vezes que alguém entrava no local, as vezes que o pingar se repetia. Contava para se distrair, para não pensar em mais nada, mas sempre fugia da contagem e pensava em sua família, em quanto tempo se passara. Se faziam dias, semanas, ou meses, ela não sabia.
Aquela horizontal lhe deixava frustrada. Era como se estivesse em um bote salva vidas, no meio do oceano e em uma calma noite. Não haviam ondas e nem estrelas, só havia o vazio e a certeza da existência.
Seu filho estava mais falante nas últimas vezes em que apareceu. Contava sobre como estava a faculdade, também sobre o estágio e falava sobre os planos futuros depois de formado. Após o ranger da cadeira, quando logo ia embora, ela ouvia a respiração dele muito mais próxima do ouvido, então ele lhe dava tchau, a deixando novamente.
Em mais uma tentativa fracassada de contagem, se pegou pensando sobre sair dali, onde quer que estava, simplesmente ir embora dessa escuridão e dessa falta de Vida, mas apenas seus pensamentos e o gotejar a respondiam.
Seu estado estagnado a torturava, cada vez mais sentia-se perdida e arrependida das mínimas coisas que já fizera. Gritava consigo mesma, mas o eco de seus gritos repetiam-se apenas em sua consciência. Acalmava-se apenas quando ouvia a voz do filho, sentindo a presença dele e sua respiração perto dela.
Dessa vez, a cadeira não rangeu após alguns minutos. Seu filho lhe contou muitas coisas sobre como andava a própria vida, como a compra de um apartamento e sobre um começo de relacionamento.
A mãe queria lhe abraçar, mas seus comandos não respondiam. Ela não ouviu a presença de outra pessoa no ambiente, estava ocupada ouvindo seu filho. Ela também nunca viu as lágrimas do rapaz e nem sentiu o beijo que ele lhe deu no rosto antes do médico desligar os aparelhos.

Você leu todos os capítulos publicados.

⏰ Última atualização: Feb 04, 2020 ⏰

Adicione esta história à sua Biblioteca e seja notificado quando novos capítulos chegarem!

Compilado de ContosOnde histórias criam vida. Descubra agora