Prólogo

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Eu senti o suor escorrendo por baixo da minha roupa. A cor preta e o algodão não me ajudavam muito naquele calor infernal de Blaskogar. Pincei a camisa e a agitei para tentar me refrescar um pouco, mas o alívio não durava muito.

Andei pelos paralelepípedos na calçada da rua central da cidade ouvindo as rodas das carruagens e as patas dos cavalos se chocando contra o terreno irregular. Mesmo com a lua no céu, eu sabia que muita gente ainda circulava pela cidade. A maioria daqueles veículos era ocupada por homens solteiros buscando a diversão das tavernas, bem diferente do perfil que eu costumava ver durante o dia.

Quando notei quatro carruagens passando quase juntas, senti que o movimento estava ficando maior do que eu gostaria. Observei a lanterna na fachada pedregosa de uma casa de esquina e olhei para os lados sem mexer muito a cabeça. Vi um senhor deitado do outro lado da rua com roupas rasgadas e tão sujas que era impossível saber a cor real delas. Também percebi a presença de três rapazes com passos trôpegos que definitivamente não estavam muito interessados no sujeito encapuzado que cruzava o caminho deles. Atrás de mim, ouvia passos, provavelmente de duas pessoas, sendo que uma delas fazia um ruído mais alto, talvez uma mulher usando salto.

Andei sem olhar para trás e sem alterar a passada, virando na esquina logo após a lanterna. Então, parei um pouco na calçada, encarando despretensiosamente a lua cheia, esperando que o casal passasse por ele. A mulher usando o longo vestido vermelho com um decote que revelava até a alma dela deu uma breve olhada de canto de olho, possivelmente desconfiada, mas o homem que trajava um imponente gibão dourado sobre uma túnica vermelha e calças combinando sequer notou a minha presença.

Tornei a me deslocar, observando as cercas baixas das casas mais próximas ao centro da cidade. Algumas ainda mantinham a tradicional arquitetura anã, com pedras grandes na fachada e traços robustos no contorno geral, mas era interessante perceber como os detalhes ornamentais fúteis se multiplicavam por portas e janelas de casas onde a tradição humana era adotada. Quando criança, eu morara por um tempo justamente em uma daquelas ruas. Algumas moradias haviam se transformado um pouco desde então, principalmente com aquele embelezamento desnecessário, mas os caminhos para onde cada uma das ruelas levava era o mesmo.

Seguindo por um beco estreito entre duas casas bem altas, pude me mover sem medo de ser visto. Sem lanternas e com as sombras engolindo o trajeto, andei com a mão na parede e calculando cada passo, mantendo os ouvidos atentos para qualquer ruído que pudesse surgir. Aquele caminho era inclinado e a subida deixou minha respiração um pouco mais pesada, além de fazer com que eu suasse ainda mais, encharcando a minha camisa. Eu me arrependeria de usar aquele caminho se não soubesse que era a melhor rota para evitar olhares indesejados.

Após percorrer uma distância não muito longa, deixei as casas para trás, entrando em um espaço mais aberto e iluminado. Eu havia pegado um caminho alternativo até o tradicional mirante, de onde qualquer um poderia parar e admirar a estátua do Rei Zanok, que ficava bem ali no centro da cidade, alta o suficiente para fazer com que as construções que a cercavam se parecessem com pedrinhas diante de uma montanha. O maldito monarca estava representado com o punho erguido e com a coroa de três pontas na cabeça. Caso isso não fosse o suficiente para mostrar o tamanho do ego do indivíduo, uma réplica do Anel Real de Istkor havia sido feita com ouro puro e com uma quantidade absurda de pedras vermelhas para representar o pomposo rubi da joia original. A peça era mais importante que a própria coroa e o rei parecia querer jogar aquilo na cara de todo mundo que encarasse o monumento. A construção do mirante era uma forma de fazer com que a população o contemplasse, mas eu nunca vira um único plebeu frequentando o lugar. Apenas nobres iam lá, e somente durante o dia, obviamente para serem vistos adorando aquele desgraçado.

Parei de olhar para aquele monumento patético e voltei a andar pelas ruelas. Passei entre mais algumas casas, sempre cuidando para não ser visto por alguma janela. Com o silêncio que se instalara na região, eu tinha certeza de que a grande maioria dos moradores estava dormindo àquela hora, mas não seria descaso que me impediria de concluir minha missão.

O Inferno de IstkorWhere stories live. Discover now