Capítulo 2

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Júlio mal pôde conter o sorriso em seu rosto ao avistar as imensas muralhas de Blaskogar. Mesmo com todos os anos trabalhando com os Lobos Negros, viagens longas sob o sol escaldante não estavam na lista das coisas com a qual se acostumara.

— É por isso que eu detesto essas missões de guerra — resmungou. — É muito melhor quando somos contratados para encontrar algum artefato mágico ou para nos livrar de alguma fera.

— Você reclama demais — disse Noëlle, ajeitando graciosamente seus cabelos. Júlio invejava o fato de que, mesmo depois de tanto tempo percorrendo aquele trajeto exaustivo e com o suor brilhando na pele clara, a amiga mantinha a postura naturalmente elegante. — Parece até que foi ontem que a gente saiu de Nova Aurora.

— Doze anos nem é tanto tempo assim — brincou o humano, arrancando uma risada da elfa.

— Se você diz... — ela olhou para frente. — Vamos nos concentrar agora. Estamos quase chegando.

Júlio passou a mão no cabelo e se endireitou no cavalo. Em seguida, ele coçou o pescoço por causa de algum mosquito que o picara. Criaturinhas malditas. São piores que dragões!

Os Lobos Negros seguiram seu avanço pela planície e, pouco tempo depois, alcançaram a capital de Istkor. Júlio já havia percebido que os muros da cidade eram grandes de longe, mas a visão de perto era a de uma estrutura simplesmente colossal. Era impossível não se impressionar com a grandiosidade daquela construção, que fazia com que o lugar parecesse completamente intransponível. Aliás, em Istkor, todas as grandes cidades se escondiam atrás de muralhas, embora nenhuma fosse tão imponente quanto à da capital. Pelo que havia lido, Júlio entendia que aquilo era herança de um passado em que cada uma delas era independente.

Pelo que Júlio sabia, Blaskogar tinha apenas quatro entradas diferentes. Uma delas estava diante dos seus olhos. O portão oeste era quase tão alto quanto o muro e parecia feito de alguma liga metálica. Ele era adornado com bonitas ilustrações, sendo a principal uma que representava o rei.

— Olha que bonita essa gravura, Noëlle — comentou o humano, coçando de leve seu pescoço.

— Realmente — respondeu a Fênix Corvina. — Mas acho estranho quando reis são retratados quase como se fossem deuses.

Se Noëlle não tivesse feito aquele comentário, Júlio não teria reparado que a posição do monarca, além de ser central e elevada, estava acima de uma representação de Dastarar, o deus da justiça. O mercenário não soube dizer se aquilo era curioso ou irônico.

Alguns instantes a mais e os Lobos Negros pararam. Aura, a líder da guilda, havia alcançado o portão. O que se seguiu foi um silêncio absolutamente ensurdecedor. Ninguém ousou dizer uma única palavra antes que a autorização para entrar na cidade fosse concedida.

Júlio fez carinho no seu cavalo ao mesmo tempo em que se pegou olhando para Noëlle. Ela também devia estar entediada, mas não demonstrava isso. A postura ereta e atenta era uma marca da elfa que vivera tantos anos com medo. O humano ainda se lembrava da época em que se conheceram e de como a amiga temia que membros da sua antiga tribo a caçassem. Um temor que demorou anos para diminuir, mesmo com um oceano os separando de Foraisi-Mór, e que nunca cessara por completo.

Subitamente, um barulho tirou Júlio dos seus devaneios. O som dos portões se abrindo era tão intenso que passava a sensação de que um terremoto estava em curso. O mercenário, inclusive, precisou acalmar seu cavalo, que ficou assustado com o ruído repentino.

A abertura era um processo lento. Estruturas tão grandes demandavam muita energia para serem movidas. Júlio imaginava que houvesse algum mecanismo arcano de suporte, mas, mesmo assim, a altura e a espessura do portão faziam com que ele tivesse muita dificuldade de entender como aquilo saía do lugar.

O Inferno de IstkorWhere stories live. Discover now