Capítulo 6

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Noëlle sentia as costas ardendo, mas as três chibatadas não tinham sido o bastante para problemas maiores. Realmente, Aura devia ter pensado naquele castigo com calma para atender à solicitação do exército sem abrir mão da disciplina. A Fênix Corvina estava sem restrições de movimento, apesar da dor, e tinha sido devidamente exposta e punida publicamente por seu comportamento inadequado.

Quando mais ela ficava parada, mais raiva sentia da situação. Não queria nem imaginar o que seria capaz de fazer se visse o Júlio pela frente. Até mesmo Aura, que normalmente era colocada por Noëlle em um pedestal, estava sendo vista com rancor. A líder dos Lobos Negros sequer compareceu à cruel punição que determinara.

A presença de Kyrios era um atenuante. O arkanvolf não saía do lado dela em momento algum, recebendo de volta carinho e atenção. Ainda assim, a mente da elfa era um enorme turbilhão de emoções.

Para tentar se distrair daqueles pensamentos que se recusavam a deixar sua cabeça, a elfa sacou as Kurwyns e começou a treinar. Ela gostava mais de fazer aquilo em espaços abertos, mas a tenda era grande o suficiente para que praticasse alguns movimentos mais amplos e, ao mesmo tempo, servia como uma simulação razoável para alguns ambientes apertados em que ela poderia eventualmente usar as adagas.

Sentiu o suor escorrendo em sua pele enquanto fazia os vários movimentos de luta mantendo intensidade máxima. O seu ideal era de que os combates eram meras reproduções de seus treinos e isso funcionava quase sempre. De fato, mesmo quando precisava recorrer ao improviso, a precisão deste era consideravelmente aumentada pelo seu volume de prática. Um instrutor dos Lobos Negros havia sugerido uma vez que a elfa diminuísse o ritmo no treino para se cansar menos e evitar lesões, mas ela jamais seguira a recomendação. À medida que exigia mais de seu corpo, Noëlle melhorava seu condicionamento físico e sentia que evoluía muito mais nos fundamentos tanto de arco-e-flecha como de luta corpo-a-corpo.

Após se cansar o bastante, sentou-se, encarando as adagas que recebera como pagamento de uma missão alguns anos antes. As lâminas de titânio negro davam uma leveza incomparável a elas. As empunhaduras originais eram de ouro, mas Noëlle pagara um ferreiro para substituí-las por peças escarlates com traços cor-de-ônix feitas de rodruber, um material que dava mais firmeza e controle para quem segurasse as armas. Noëlle colocou as adagas de volta nas bainhas, que eram legítimas obras de arte. Por dentro, eram aveludadas. Externamente, eram cinza escuro com um corvo vermelho em baixo relevo. Cada uma das Kurwyns valia ouro o suficiente para comprar uma fazenda e ainda sobraria o troco.

— Que tipo de pessoa ganha uma tarde inteira de folga e usa esse tempo para treinar? — Noëlle tomou um susto com a chegada do Júlio.

— Todo o tempo que pudermos usar para melhorarmos de alguma forma deve ser aproveitado — protestou a elfa, a voz saindo seca. A Fênix Corvina encarou o guerreiro e conteve a vontade de avançar contra ele ali mesmo. — Depois do que fez hoje de manhã, me surpreende o nível de audácia que você deve ter para chegar aqui na minha tenda, falando como se não tivesse acontecido nada.

— Noëlle, eu não sei o que dizer — murmurou. — Também foi horrível para mim. Eu não queria ter feito aquilo. De qualquer modo, eu vim porque a Aura mandou que eu te trouxesse comida.

Júlio abriu a bolsa que trazia no ombro e retirou dali três biscoitos com runas gravadas no centro de cada um. Noëlle ergueu uma sobrancelha ao encarar aquele alimento, que não parecia nem um pouco apetitoso.

— Ração arcana — explicou o rapaz. — Um desses substitui uma refeição. Não é muito saboroso, mas vai ser o bastante para te manter saudável.

— Estamos em um castelo e você não conseguiu trazer um pedaço de carne ou uma fruta?

— Ordens da chefe — Júlio coçou a cabeça de leve. — Desculpe.

O Inferno de IstkorWhere stories live. Discover now