Capítulo 5

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  Irina estendeu a sua taça em um convite para que todos se juntassem á ela. E todos nós obedecemos. Eu levantei a minha o mais alto que eu pude, embora minha vontade fosse jogar aquele cálice ao seus pés.

- Há muito tempo nos foi dado um privilégio, honra e o dever de cuidar de nosso lar. -Ela sorria triunfante e confiante, como se nós realmente acreditássemos em suas  palavras que eram derramadas como mel em nossos ouvidos. Mas cada vez que eu a ouvia  mais eu tinha vontade de vomitar. - Vocês  não foram criados para benefícios de si próprios! Vocês foram criados para um bem maior. Vocês são  o passado,  presente e o futuro de Prythian.

Ela se reverenciou a nós de forma tão dramática e forçada. As luzes do salão se intensificaram e tambores rugiam de forma branda e ritmada. Aquilo sempre me dava arrepios. Era o som de uma música doce e agradável, assim como as palavras de Irina, e era por isso que eu sempre ficava enojada.

Irina caminhou em direção ao centro do salão, com passos lentos em sua túnica tão branca e transparente, que se podia ver cada detalhe de seu corpo. Ela fedia a sedução. Seu cabelo vermelho carmesim, estava adornado com pequenos pontos de luz e pendiam por toda a sua coluna. Ela subiu na parte mais alta do salão se sentindo dona de todos nós, pronta para mexer com as cordas que estavam amarradas em nossas almas.

-Venham e se junte a mim para cumprir o nosso dever. - Ela gesticulou para que nos aproximássemos e assim o fizemos, deixando ela puxar nossas cordas.

Já participara disso tantas vezes, mas ainda não entendia porque isso me matava por dentro. Porque queria correr e atravessar o coração dela com qualquer coisas afiada que estivesse mais próxima de mim. Aquilo roubava algo de nós, de mim. Quanto mais nos dávamos, mais nos esquecíamos, mais nos acostumávamos   a  sermos ninguém, a ficar sozinhos e ...

Meu peito começou a oscilar e minha respiração ficou pesada.  Senti aquela carícia tão delicada e fria ao mesmo tempo em meus escudos.  Respire e não pense. Glaciem sussurrou por cima dos meus escudos e meus pés de chumbo caminharam em direção ao matadouro. Temos um ao outro e agora é isso o que nos mantém vivos. 

Caminhamos lada a lado desta vez.  Nunca nos tocando ou olhando.  Mas sentia sua carícia fria em todo meu corpo. Soprando tão suave, como um sussurro de encorajamento. Meus passos tornando-se cada vez mais leves, estava a ponto de fechar meus olhos e disposta a  deixar que ele me guiasse para qualquer lugar. Acho que Irina também percebeu isso quando seus olhos fixaram em mim e seu sorriso se alargou como de uma felina. O frio me deixou no mesmo instante.

- Corte Crepuscular! - Ela nos convocava um a um. Passava a faca em nossos pulsos e deixava que nossa essência escorresse para dentro de um recipiente de ouro. - Que a Mãe receba nosso sacrifício. - Elouan finalizou sua parte.

Quando chegou a vez de Glaciem, percebi quando Irina levantou as mangas de sua túnica lentamente e passou o dedo no pulso dele, de forma provocadora e mortal. Glaciem não demonstrou reação alguma, apenas seu sorriso frio habitual. E também não retornou ao seu lugar do meu lado.

-Corte Primaveril. - Bile subiu pela minha gargante e forcei os meus pés a se movimentarem. Quis olhar uma vez para Glaciem, em uma tentativa egoísta de me sentir segura. Mas ele não olhou para mim o restante da noite. Irina pegou meu braço com uma força exagerada e disfarçada. Passou a faca se aprofundando demais e ali derramei minha essência e minhas lágrimas silenciosas. - Que a Mãe receba mosso sacrifício. - Eu disse a minha melhor mentira de estimação.

Eu fui a última a ser chamada para o Ritual,  e logo depois músicas dançantes começaram a ecoar pelo salão. Era obrigada ficar ali dançando, bebendo, comendo e fingindo até que minha carruagem fosse me buscar.

Deixava que cada taça com aquele líquido doce e suave me fizesse esquecer de onde eu estava e de quem eu era. Dançava e rodopia como se realmente aquilo fosse uma festa, até que  mãos suaves seguraram as minhas. Elouan com seu sorriso brilhante  e genuíno, escorregou os dedos por meu pulso que ainda se curava devagar, que com certeza era obra de Irina para me punir, e no mesmo instante o ferimento se fechou.

-Ah eu gosto de você. - Eu respondi sorrindo da mesma forma que ele sorria para mim. Nós dançamos por algum tempo, que não consegui calcular, e depois dancei com mais cinco dos Grão- Senhores.  Nunca nos tocando demais, ou falando demais. Até que fui anunciada de que minha carruagem havia chegado.

Quando sai do salão e olhei para o céu estrelado senti meu peito se apertar e doer. Senti meu coração se despedaçar e sangrar. Então desejei. Desejei no meu mais íntimo e profundo, palavras silenciosas e proibidas. Desejei ser mais que um sacrifício. Desejei não estar só. Desejei por uma família.






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