Capítulo7

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Passei a noite inteira acordada, dormir estava longe de ser possível naquele momento. Não podia sequer fechar os olhos, não quando meu amigo tinha estado ali, não depois do que tinha acontecido com ele. Pensar na  Irina tocando  seu corpo, seus lábios, seu cabelo, corrompendo-o. Bile subiu pela minha garganta e senti algo que ia além de mim. Raiva incandescente, desespero e ódio profundo. Queria mata-la, mais que isso, queria vê-la sofrendo, queria que ela sentisse o que eu sentia, o que nós sentíamos. Usados e descartados como lixo. Virei na cama de lado, de modo que eu pudesse ver a noite pela janela, o lindo céu negro e estrelado. E eu desejei.

Quando os primeiros raios de sol apareceram, pulei imediatamente da cama e me vesti o mais rápido que eu pude. Iria atrás de Glaciem e arrancaria tudo o que eu precisava saber, ele sabia de algo sobre Ella, algo que esteve em segredo tempo demais.

Sai do quarto e desci as escadas depressa e cautelosamente ao mesmo tempo. E quando cheguei aos portões do Jardim, senti o canto daquela brisa fria familiar me chamando. Eu sabia que poderia fechar os meus olhos e me entregar aquela doce melodia invernal. E foi isso que eu fiz.

Consegui enxergar seu cabelo branco entre os pinheiros que separavam meu território do dele. E quando me viu, ele sorriu, mas não foi o sorriso que eu do qual eu estava habituada, era   sombrio e frio.

– Princesa, acordou cedo hoje. – Sua aparência não era mais como aquela devastada da outra noite, mas também não era o meu amigo de sempre, tinha algo perverso escondido ali. – Estava pensando em você. – Ele se aproximou de mim com um sorriso zombeteiro, e eu sabia que era uma máscara, uma armadura. Eu o conhecia a tempo demais para que ele conseguisse mentir para mim. – Seu cabelo preto como a noite, não combina muito com a Corte Primaveril, certo? – Ele pegou uma mecha entre os dedos.

– Quero falar sobre a outra noite. – Eu estava tão decidida e determinada, mas ele sabia como tirar o meu foco, como fazer o meu corpo trair. – Quero falar sobre Ella. – Eu disse quase em um sussurro quando ele fixou os olhos nos meus. Seus olhos como fendas, de um felino prestes a dar o bote e eu era a presa.

– Os seus olhos também. Essa cor violeta é bem incomum. – Ele disse deslizando o dedo delicadamente pela minha bochecha. – Você simplesmente não se encaixa .

– Do que está falando? – Eu fechei meus olhos enquanto seus dedos escorregaram da minha bochecha para o meu pescoço, e eu me esqueci de como era respirar.

– Com que você estava sonhando noite passada ? – Seu hálito frio soprou no meu rosto e minha cabeça começou a rodar no mesmo instante. Ele estava jogando comigo, e era um jogo bem sujo. Mas porque ele insistia nisso, em saber com o que eu havia sonhado, quando nem eu mesmo entendia o era aquilo, as sombras me chamando e ...

E de súbito, como se eu tivesse despertado do seu encanto, eu agarrei a gola de sua camisa e o joguei contra o pinheiro que estava próximo de nós.

– Você está querendo nos matar? Porque se sua resposta for sim, eu não vou permitir. – Eu não soltei a sua gola e ele também não tentou se esquivar. – Você é tudo o que eu tenho aqui, e eu sei o quanto nossa vida é miserável, mas eu preciso de você aqui, comigo – Eu disse isso tão desesperadamente enquanto sentia minha garganta queimar e o medo roubar o meu ar.

– Não quero nos matar! Eu quero nos salvar. - Sua voz era de uma raiva contida.

Eu soltei sua camisa e senti meus pés deslizando sobre o gelo recém derretido, e vi quando uma poça se formava debaixo dos meus pés. Glaciem soltou uma risada amarga olhando para a poça. – Você não se encaixa Princesa. Mas você parece não se importar quando coisas estranhas acontecem bem debaixo do seu nariz.

– O que eu poderia fazer? – Eu disse com a voz embargada de choro. Era a conversa errada no lugar errado. – Eu estou presa, assim como todo mundo. Fingindo dia após dias, porque se eu pensar Glaciem, eu sei que vou enlouquecer.

– Acho que já enlouqueci. – E não havia nenhum sinal de humor ali. Não havia sinal de meu amigo ali, era só uma carcaça do Glaciem. Era o que aquele lugar fazia com a gente. – Ella está viva.

O meu coração parou de bater por alguns minutos, bem no fundo eu sabia, eles não podiam simplesmente nos matar sem que houvesse alguma consequência no equilíbrio das Cortes. – Nós vamos trazê-la de volta. – Eu falei decidida, e sabia que custaria a minha vida.

– Eu conto com isso Princesa. – E dessa vez ele sorriu de verdade. – Me encontre aqui de novo ao anoitecer.

Ele se virou para adentrar a floresta, mas antes de continuar ele se virou novamente para mim. – Aylla, só para você saber, a Corte Primaveril não derrete gelo. – Ele se virou novamente e desapareceu, e os pinheiros se chocalharam com a sua presença.

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⏰ Última atualização: Oct 01, 2020 ⏰

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