Quando homens heterossexuais saem por aí dizendo que são a cura lésbica e que eles fodem várias sapatonas (se referindo à bissexuais), automaticamente as lésbicas o colocam como uma ameaça, potencial estuprador, assediador e eticétera.
Mas quando essas mesmas lésbicas saem por aí dizendo que converteram meninas bi, chamando essas meninas bi de "hétero" pra reforçar a fantasia da reorientação, elas não são tidas como ameaça nível estupradora pela nossa "comunidade" queer, né?Pelo contrário: se vitimiza quem prolifera essa perversão. A sapatona que quer porque quer "virar do avesso" a sexualidade da mina bi é lida como alguém se iludindo, alguém sendo influenciado pela heteronornatividade (apelido oficial da bifobia), alguém que tá sendo quase que "coagida" pelo sistema à forçar a barra e adentrar o espaço pessoal no qual ela nem necessariamente foi convidada à estar.
Dizem "para de correr atrás de hétero, tenha amor próprio"
Como se essa tara que gays e lésbicas tem de nos "arrastar pro outro lado", feito troféus, fosse fruto de baixa auto-estima. Ou como se correr atrás de alguém não-hétero que não te quer fosse uma situação menos bixonha e desconfortável que correr atrás de um hétero que não te quer. Ou como se (supostamente) estar sob a influência da soberania heterossexual fosse uma justificativa pra ver bissexuais como iscas.Se esses mesmos caras héteros que eu citei dizem novamente que vão sair fudendo mulheres bi sem piedade e tralalá, só que dessa vez usando a palavra "bi" ao invés de "lésbica", daí as mesmas lésbicas-bifóbicas que se emputeceram com eles antes, agora se acovardam e não falam nada; ou incentivam ele, dizendo que bis são depósitos de porra e afins; ou dizem que é furada, porque a gente "passa doença" e "engana"; ou simplesmente riem da situação.
Homossexuais se doem tanto quando os héteros dizem que eles são um "desperdício", mas não perdem a chance de dizer (com essas palavras ou não) "que desperdício você ser bi". Gays e lésbicas passaram uns cinquenta anos chupando o cu da monogamia, mas adoram dizer que é um "desperdício" bissexuais estarem casados com alguém de um gênero que não é o deles, incluindo aqui pessoas não-binárias.
Monossexuais não querem admitir que têm um pacto sigiloso. Fingem que se detestam, quando são nada menos que Animigos jogando com as nossas vidas, brincando com as nossas identidades.
Um homem hétero e uma mulher lésbica podem ter a mesma atitude bifóbica e saírem ilesos disso. Mas eles saem ilesos em dinâmicas diferentes, porque o homem hétero não é vitimizável para nós "comunidade queer".
Por conta das diferenças dessas dinâmicas, o povo tende a pensar que não se trata de bifobia, pois (segundo eles, não segundo nós) só é bifobia quando as mesmas vantagens são dadas ao mesmo modo pra gays, lésbicas e héteros. O que não faz sentido, se entendermos que uma opressão ser estrutural significa que essa opressão é genial o bastante pra se adaptar à diferentes posições sociais, seja pra privilegiar, pra violentar ou recriar cenários clássicos de uma maneira alternativa.
Tanto que, por exemplo, lésbicas sofrem várias violências que gays não sofrem, pois lésbicas são mulheres e gays homens, mesmo que ambos sejam igualmente homossexuais, ocupam lugares diferentes nessa categoria. Tal como mulheres heterossexuais têm sua sexualidade vista em outro plano que não é o dos homens heterossexuais, mesmo que ambos tenham privilégio hétero e usem a mesma palavra pra se designar.
Da mesma forma, ser monossexual, digo, ter privilégio monossexual não se aplica da mesma maneira pra todos os que são. Cada uma das três partes que formam esse grupo tem seus confortos específicos pra além dos confortos gerais.Não existe isso de pegar hétero sendo gay ou lésbica, tal como não existe bicicleta de quatro rodas e cimento felpudo. Tá na porra da definição do bagulho. E isso não é piada que se faça.
A fantasia de reorientação sexual é, principalmente, uma fantasia de estupro corretivo. A idéia absurda de "mudar a orientação sexual de alguém que não se atrai por você fudendo com essa pessoa" é só uma maneira de dizer que você violou aquela pessoa. E falo aqui de "violar" em muitas maneiras, pra além do que se considera estupro, mas sem tirar essa violência do ponto central da discussão.