Tanto Faz

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Achar que o fato de que se fala mais a palavra "bi" do que a palavra "pan" configura, em si, uma opressão estrutural ("panfobia"), que é igual à o que monossexuais exercem sobre bissexuais "só que apenas com pansexuais", é tipo achar que existe uma homofobia especifica só pra gays (a "gayfobia"), e que esses gays são estruturalmente apagados pelo outro grupo Super Diferente® deles: os homens homossexuais.
É como achar que "viado" e "gay" são duas orientações sexuais, e não duas palavras referentes á um só tipo de orientação, q é a homossexualidade masculina.

É o mesmo que achar que pansexuais tem poder estrutural pra excluir polisexuais de vários setores da sociedade. Pronto, agora existe "polifobia" e pansexuais ganharam permissão do patriarcado pra estuprar, socar e assediar polisexuais sem sofrer consequências, porque o patriarcado gosta de pan mais do que de poli.
Ou seja, o Deus Patriarcado pensa "eu vou criar outra opressão (como se fosse um processo instantâneo), só porque inventaram uma palavra nova, ao invés de usar essa opressão que já existe e que já ataca essa mesma maneiras de ser".
É como achar que se a palavra "bissexual" parar de ser usada, a opressão que ataca o grupo que se denomina assim vai sumir junto com a palavra. Ou como achar que se eu inventasse mais dez palavras pro mesmo conceito de "bi", o patriarcado nos reconheceria como 10 grupos diferentes ao invés de um grupo só com vários apelidos.

Tipo "heyy galera, já sei como acabar com o patriarcado, vamos parar de usar palavras pra nos comunicar, ó que genial".
Como se essas opressões não fossem fruto duma escravidão legalmente permitida com mais de quinhentos anos.
Como se bifobia não fosse exatamente o que pansexuais e polisexuais sofrem, junto com bissexuais, na mesma medida, porque nós somos o mesmo povo.

"Bissexual" também é uma palavra nova. Quando os brancos chegaram aqui, esse mesmo tipo de orientação tinha mais nomes (nomeS, no plural). Os próprios brancos tinham outros nomes pra isso e as pessoas negras que foram sequestrados pra cá também.
Mas os brancos não difundiram cinquenta leis pra proibir essas cinquenta palavras. Eles ergueram lentamente um só pilar governamental que fosse eficiente o bastante pra combater essa identidade, independente do nome que ela levasse, para que fosse garantido que todas as gerações de "nós" sofressem.

As pessoas falam mais "bi" do que "pan" por vários motivos, que até merecem ser repensados, mas nenhum deles configura um privilégio para bissexuais.
A única orientação sexual que todos os bissexuais (ou o nome que vocês derem pra quem se atrai por mais de um gênero) tem poder estrutural pra violentar é a assexualidade.

Lésbicas politicamente organizadas não acreditam que exista "lesbofobia" "sapafobia" e "fobia de homossexualidade feminina" e que são três estruturas de poder impares
Só a gente se odeia à ponto de levar uma dessas idéia imatura à sério.
Só a gente caçamos na ORTOGRAFIA e na SEMÂNTICA um motivo pra entrar em conflito com os nossos semelhantes, fingindo que isso não é se comportar exatamente como o sistema quer que nos compórtemos.
Passamos mais tempo discutindo se "é pan ou bi" (sendo que é os dois) do que, por exemplo, discutindo que bissexuais tem mais chances que monossexuais de abusar de drogas, do que refletindo em como poderíamos nos organizar impedir que crianças bi usem a cocaína que amanhece na mesa de jantar delas.

Estamos tão propensos à ter prioridades políticas brancas que não enxergamos que: os mesmos bissexuais que dizem que "pan não existe", são os que se negam a ajudar outros bissexuais que são estuprados na prisão. Que alguns bissexuais dizem "pan não existe" porque não têem senso de coletividade, não porque estão tirando algum direito dos pansexuais e revertendo em dinheiro e influência para o-grupo-bissexuais.
Em suma, bissexuais que dizem que "pan não existe" são bissexuais que odeiam a bissexualidade.

"Bissexual" é uma palavra categórica, um termo guarda-chuva. "Bi" tipifica. A palavra "bi" não diferencia nem caracteriza nossas experiências pessoais, não individualiza o cidadão bi, porque não é a função dela. Então, faz sentido que em muitos contextos "pan" e "poli" estejam "dentro" de "bi", como um espectro, e não paralelos ao termo "bi".

"Atração independente de gênero", "não gostar de gêneros mas de gente" e "atração por vários gêneros, mas não todos" são falas que se popularizaram quando os termos "pan" e "poli" não existiam. Entre pessoas que, muitas vezes, usavam a palavra "bi". Se eu seguisse a linha de raciocínio de quem diz que "bissexuais oprimem pansexuais", eu diria que "pans e polis são apropriadores das nossas narrativas históricas". Ou falaria que "pan" e "poli" não são termos necessários porque já existe "sexualidade fluída" e "sem rótulos" (o que, ironicamente, é um rótulo).

Há gente de centenas de culturas diferentes, abdicando de suas línguas maternas pra poder reivindicar o "ser gay" e o "ser lésbica", pois elas entendem que essas palavras tem uma potência específica, entendem que essas palavras abrem uma enorme brecha pra se discutir políticas públicas reais (dentro de uma câmara de vereadores ou de um planalto, por exemplo). E pra elas, isso é mais importante que entrar em conflitos terminológicos.
Mas nós bissexuais não, nós ainda temos a insistência de achar que palavras sozinhas ressignificam grupos sociais, ao invés do oposto.
Sabe, ninguém que se diz "livre de rótulos" se vê livre da bifobia por isso. Muitos são expulsos de casa e morrem numa calçada suja qualquer pouco após dizer "não ligo pra gênero, não ligo se sou hétero ou homossexual".
E essa é questão, não é? Sofrer bifobia não se origina do ato de se reivindicar bi.

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⏰ Última atualização: Feb 23, 2020 ⏰

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Bifobia: Estruturalidade É A PalavraOnde histórias criam vida. Descubra agora