PARTE DOIS CONTINUAÇÃO

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   “— Vá com calma — Pede Bailey, levantando-se do banquinho e indo para trás, para fora do alcance do braço dela...”
   — Tem um agente bem ali no corredor. Se eu o chamar, está tudo terminado, entende? Você não pode atingir nós dois com essa faquinha. Então, por que não coloca de lado o bisturi...
   — Não o chame — pediu, mas o braço continuava esticado. — Preciso que você me escute.
   — Estou escutando. — A maca está entre Bailey e a porta. Ela consegue liberar a outra mão enquanto ele atravessa a sala.
   — Preciso de sua ajuda. Não posso deixar que ele me prenda. Você tem que me ajudar a fugir.
   — Fugir? — De repente, Bailey não está preocupado que a mulher com o bisturi possa machucá-lo. Está com vergonha por ter baixado a guarda, permitindo que ela controlasse a situação. — Você está maluca? Não vou ajudar você a fugir.
   — Escute...
   — Você matou alguém esta noite. Você mesma disse isso.
   — Não foi assassinato. Ele queria morrer, já falei a você.
   — E ele quis morrer em St. Andrew, pois ele também cresceu aqui?
   — Sim — ela confirmou, um pouco aliviada.
   — Então me diga quem ele é. Talvez eu o conheça...
   Ela balança a cabeça.
   — Já falei, você não nos conhece. Ninguém daqui nos conhece.
   — Não tenha tanta certeza. Talvez alguns de seus parentes... — A obstinação de Bailey vem à tona quando ele está zangado.
   — Minha família não vive em St. Andrew há muito, muito tempo — ela soa cansada. Então, fala secamente: — Você acha que me conhece, não é? Ok, meu nome é Loukamaa. Conhece esse nome? E o homem da floresta? O nome dele é St. Andrew.
   — St. Andrew, como a cidade? — Bailey pergunta.
   — Exatamente, como a cidade — Ela responde, quase irritada.
   Bailey sente um borbulhar esquisito atrás de seus olhos. Não exatamente um reconhecimento... onde ele já ouviu este nome? “Loukamaa”? Sabe que já viu ou ouviu em algum lugar, mas não se lembra de jeito nenhum.
   — Não existe um St. Andrew nesta cidade há, humm, pelo menos cem anos — diz Bailey, trivialmente, atormentado por ser repreendido por uma garota fingindo ter nascido ali, mentindo sobre um fato sem a menor importância e que não lhe fará nenhum bem. — Desde a Guerra Civil. Ou, pelo menos, é isso que me disseram.
   Ela aponta o bisturi para ele para chamar a atenção.
   — Veja bem, não que eu seja perigosa, mas, se você me ajudar a fugir, não vou machucar mais ninguém. — Ela fala como se fosse ele quem não tivesse razão. — Deixa eu mostrar uma coisa para você.
   Então, sem avisar, ela aponta o bisturi para si e faz um corte no peito. Uma linha larga e comprida, que vem do seio esquerdo e percorre toda a área da costela embaixo de seu seio direito. Bailey fica petrificado enquanto uma linha vermelha surge em sua pele branca. O sangue jorra do corte, os tecidos carnudos avermelhados começam a sair pela abertura.
   — Oh, meu Deus! — ele diz. “Que diabos há de errado com essa garota?! Será que ela é louca? Será que tem algum tipo de desejo de morte?”— ele pensa e começa a caminhar em direção à maca.
   — Fique longe! — ela grita, golpeando com o bisturi na direção dele novamente. — Só olhe. Preste atenção!
   Ela empina o torso, braços abertos, como se quisesse oferecer-lhe uma visão melhor, mas Bailey consegue enxergar bem, apenas não consegue acreditar no que está vendo. Os dois lados do corte estão deslizando em direção ao outro, como o rebento de uma planta, juntando-se, entrelaçando-se. O corte para de sangrar e começa a cicatrizar. Durante todo o processo, a garota respirava com dificuldade, mas não demonstrava nenhum sinal de dor.
   Bailey não tem certeza se seus pés estão no chão. Está assistindo ao impossível, ao impossível! O que deve pensar? Tinha enlouquecido ou estava sonhando? Estava dormindo no sofá do vestiário dos médicos? O que quer que tenha visto, sua mente se recusa a aceitar e começa a bloquear.
   — Que diabos... — Ele diz quase num sussurro. Volta a respirar, ofegante, seu rosto vermelho. Sente que vai vomitar.
   — Não chame o policial. Eu explicarei tudo a você, juro, só não grite para pedir ajuda, ok?
   Enquanto Bailey tenta se equilibrar sobre as pernas, percebe que a Emergência está totalmente quieta. Será que tem alguém para ouvi-lo caso decida gritar? Onde está Sina, onde está o agente? É como se a bruxa da Bela Adormecida tivesse entrado no pavilhão e jogado um feitiço, colocando todos para dormir. Do lado de fora da sala de exames está escuro, as luzes fracas, como de costume, para o turno da noite. Os barulhos habituais (a risada vinda de um programa de TV no fundo do corredor e o tilintar metálico de dentro da máquina de refrigerante) tinham sumido. Não há o zunido da enceradeira trabalhando sem parar pelos corredores vazios. É só Bailey, sua paciente e o barulho abafado do vento batendo na lateral do hospital, tentando entrar.
   — O que foi isso? Como fez isso? — Perguntou Bailey, incapaz de disfarçar o horror em sua voz. Ele desliza de novo sobre o banquinho para evitar despencar no chão. — O que você é?
   A última pergunta parece atingi-la como um soco no estômago. Ela deixa a cabeça cair, os seus lindos cabelos loiros cobrindo o rosto.
   — Isso, bem, isso é algo que não posso lhe contar. Não sei mais o que eu sou. Não faço ideia.
   Isso é impossível! Coisas desse tipo não acontecem. Não há explicação... O que ela é: um mutante? Feita de material sintético? Um monstro?
   E, ainda sim, ela parece normal, pensa o médico, à medida que seu batimento cardíaco se acelera novamente e o sangue lateja em seus ouvidos. O chão de linóleo começa a se mexer sob seus pés.
   — Nós voltamos aqui, ele e eu, porque sentimos falta do lugar. Sabíamos que tudo estaria diferente, que todos já teriam morrido, mas tínhamos saudade do que tivemos antes — relatou a jovem com melancolia, olhando além do médico, falando para alguém em particular.
   A sensação que teve assim que a vida esta noite, o formigamento, o borbulho, arcos entre eles, finos e elétricos. Ele precisava saber.
   — Ok — ele diz, tremendo, mãos sobre joelhos. — Isso é loucura, mas vá em frente. Estou ouvindo.
   Ela respira profundamente e fecha os olhos por um momento, como se estivesse se preparando para mergulhar. E, então, começa a falar.

Ladrão de Almas [Joaley adaptation]Onde histórias criam vida. Descubra agora