Prólogo

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Se existia algo pior do que o período de Monções, Sangita Blakshi desconhecia. Aqueles meses eram um castigo digno dos piores pecadores. As ruas ficavam alagadas, o cheiro da água podre se tornava perturbador e as infernais goteiras do teto deixavam os móveis úmidos e lotados de mofo. Era sempre a pior época do ano, principalmente para receber visitas.

Somente para piorar a situação da matriarca da família Blakshi, quando o sol nasceu no horizonte nebuloso, ela recebera um terrível comunicado: Uma velha amiga estaria visitando-a ainda naquela manhã.

Não era qualquer amiga, Surya Chopra era uma mulher muito importante na cidade. A família de seu marido era de uma linhagem histórica de vaishas, uma importante casta da sociedade indiana, marcada pelos mais ricos e poderosos comerciantes do país. Com o tempo, as riquezas da família Chopra só aumentaram, principalmente depois de Balraj Chopra - marido de Surya - descobrir uma mina de diamante junto com um inglês rico.

E essa mulher tão importante resolveu visitar a família Blakshi bem na época das monções. Realmente, os deuses não estavam muito satisfeitos com eles. Só podiam ter cometido um grave erro. Não fazia sentido! Sangita sempre fora tão devota.

A Senhora Chopra chegou desacompanhada daquela vez. Os sogros estavam ocupados demais com algum assunto relacionado aos negócios - tal questão que Sangita preferiu não abordar, não era de interesse dela. O que a interessava de verdade, era o fato de que a amiga não iniciou suas fofocas rotineiras sobre alguma mulher desonrada ou sobre uma família que deixou a Índia para tentar a vida nos Estados Unidos. Surya apenas aceitou seu chai e se sentou em silêncio no único sofá que não estava interditado pela umidade. Essa foi a primeira vez, desde que as duas mulheres se conheceram, que somente o silêncio reinou no local: nenhum cochicho, nenhuma risada, somente silêncio.

- Como está seu marido, Surya? - A anfitriã arriscou dizer, estava achando o porte de sua amiga muito esquisito. Além disso, uma ansiedade sufocante se agitava dentro dela, precisava saber a intenção daquela visita tão repentina. Afinal, a estimada Senhora Chopra havia saído de sua casa com as ruas em um completo caos somente para esse encontro.

- Faleceu no mês passado - Surya disse simplesmente, como se estivesse apenas constatando o tempo ruim do lado de fora da residência. Sangita entrou em choque com aquelas palavras. Ela não compreendia como não ficara sabendo desse acontecimento, o Senhor Balraj Chopra era tão respeitado, tão conhecido! Como que ninguém falou sobre seu falecimento?

Enquanto Sangita ainda buscava compreender algo durante o choque que tomava seu corpo, a esposa do falecido nada dizia. Não pensem que era porque estava mergulhada em um profundo luto, pois não estava. Surya nem ao menos estava usando um Saree branco que demostrasse o seu triste sentimento para com a viuvez. Ela usava vermelho e bebia seu chai com uma completa indiferença para com a situação tão trágica.

- Suas cinzas foram lançadas ao Rio Ganges? - Sangita perguntou. Era algo extremamente necessário para honrar a vida de um homem tão bom e impedir que ele seja obrigado a reencarnar nesse cruel ciclo. Balraj merecia encontrar a paz eterna.

- Não foram! Balraj quis ser enterrado, Sangita! Na Inglaterra, como um infiel, que é o que ele é! - Surya explodiu por completo, se esquecendo de sua pose de indiferença que tentava manter. Todos em Amritsar sabiam que Surya e seu marido não se falavam mais. Quando Balraj encontrou aquela mina com ajuda de um milionário inglês, ele propôs para a esposa que todos se mudassem para a Inglaterra, onde teriam uma vida muito melhor. Como Surya era uma mulher muito ligada a sua fé e cultura, se negou a deixar seu querido país natal. Balraj, então, se mudou com seus filhos e nunca mais voltou a por os pés na Índia. Pouco tempo depois, se converteu ao anglicanismo e adotou os costumes europeus, provocando a deserdação por parte de seus pais assim que a notícia de sua nova vida chegou ao país.

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