Antes de você

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Realmente, criar aquela personagem havia sido a pior ideia que Alisha poderia ter. O que essa vilã poderia acrescentar na sua história, além de uma raiva profunda em seus leitores? Nem ela mesma conseguia aguentar a grosseria e inveja de Ayu, a cunhada da doce Megha, sua protagonista favorita.

Bem, Megha nem sempre fora sua protagonista favorita, mês passado esse lugar pertencia a Jade, a mocinha de seu último romance engavetado pela metade. Alisha não conseguia entender o que a impedia de terminar a escrita de um livro, pois seus trabalhos não finalizados já eram incontáveis. Talvez, fosse sua impaciência em criar uma nova história, ou a realidade de não ter encontrado o enredo perfeito, que lhe satisfizesse por completo.

Mesmo que não encontrasse uma explicação plausível para seu fracasso em dar continuidade em algum romance, Alisha tinha certeza que não possuiria um bom número de leitores, nenhum, na verdade. Escrever sempre fora uma paixão, um hobbie, que sua família fazia de tudo para desencorajá-la.

Uma mulher não seria uma grande escritora, assim como não seria uma boa aluna universitária, seria apenas uma boa esposa. Era o que ela precisava sonhar diariamente: ser digna de um bom casamento que sustentasse essas suas paixões loucas sobre construir histórias fictícias.

Suas irmãs não costumavam desmotivá-la nesse sonho. Na verdade, somente Lahki disse uma vez que ela não deveria escrever romances como os de seus livros. O que alguém iria pensar ao ler algo daquele tipo? Iriam achar que Alisha era alguém impura? Que havia namorado um homem antes de seu noivo? Seriam capazes de crer que aquilo nada mais era do que fruto de uma imaginação fértil de uma jovem?

Nem Alisha entendia como era capaz de criar belos amores, sendo que nunca vivera ou vira um. Nos seus livros, o mocinho era sempre um príncipe. Era um homem que prezava pela igualdade, que priorizava a inteligência e não a aparência, que não tinha medo de chorar, que tinha um bom coração, que era capaz de entender seus sonhos e apoiá-los. Era um homem perfeito, mas inexistente de acordo com sua mãe.

Para a matriarca, Alisha não deveria procurar homens fictícios e sim alguém de uma boa família, com dinheiro no banco e uma influência que pudesse auxiliar no casamento das outras irmãs. O dinheiro era sempre o mais importante, o que eles precisavam de imediato, mas não se pode esquecer de que ele precisa ser de uma família indiana mais tradicional possível, que preze pelos mesmos costumes.

Devido ao exagerado número de vezes que a mãe já repetira aquela lista de prioridades casamenteiras, Alisha já as gravara, principalmente para fazer seus personagens passarem bem longe dela.

— Com quem você está brigando agora? – Bahuan, seu irmão mais velho, perguntou segundos depois que Alisha rasgou mais uma página de seu caderno. Era impossível lidar com aqueles personagens, eles pareciam ter o poder de construir a história do jeito deles. Com certeza, isso devia parecer alguma loucura, mas era a mais pura verdade. Eles podiam não ter um corpo vivo, mas uma boa imaginação era capaz de conceder uma vida real, assim como o deus Brahma faria.

— Acho que esse livro não vai dar certo – A menina respondeu fechando o caderno definitivamente, estava exausta, lidar com aqueles personagens não estava sendo tão prazeroso quanto costumava ser.

— Você sempre diz isso, Ali – Bahuan disse, enquanto mordiscava sua Samosa crocante, o seu lanche favorito. Alisha nunca gostou muito daquele salgado, era uma espécie de pastel frito com algum recheio estranho e extremamente seco, no caso de Bahuan sempre era a lentilha – Eu gostei muito da sua última história, aquela que você não terminou.

— Aquela que eu não terminei? Pode ser um pouco mais especifico? – Alisha perguntou tirando o caderno da direção do irmão, pois restos de comida caiam sobre o objeto.

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