(18h49) Há muito tempo escrevi sobre as ondas. Mal sabia eu que estava escrevendo sobre você. Na verdade, muito do que eu escrevi há muito tempo, agora, parece que foi sobre você. E, de fato, escrevi sem saber para quem, vai ver eu estava realmente falando de ti. Acordei fazendo um haicai para ti hoje, mas não anotei e me esqueci no decorrer da correria do dia. De repente eu me pego incomodada com essa mania de "poemar" mentalmente e quase nunca colocar no papel, salvo aquelas palavras que cuspo direto da alma para fora, como um grito de socorro, por medo de explodir. De repente me pego pensando que eu falava demais quando estava perto de você, e tu mal sabe que era eu transbordando todo o silencio que acumulo dentro de mim na esmagadora maioria dos meus dias.
(22h49) Pela primeira vez foi estranho estar sozinha. Eu sempre me acostumei a fazer coisas sozinha, ir a lugares sozinha, teatros, bares, cinemas e restaurantes estavam sempre me cercando com aqueles olhares tortos de pena e estranheza, mas eu nunca me importei realmente. Queria mesmo é saber se a peça era boa, se a comida era saborosa, se o filme era bem dirigido, se a cerveja era barata e o barman simpático. Nunca me importei com os assovios na rua ou com os mendigos bêbados. Até gosto deles. São gente que nem se lembram mais como é ser gente. Ainda são, mas ninguém sabe. Daqueles que na algazarra quebram a famosa expectativa de conduta e expressam o grito do desejo de mostrar ao mundo que existem, que respiram, que são gente.
Lembra da nossa conversa sobre as luzes noturnas da cidade? Era sobre eles que eu falava. Mas era sobre nós também. E sobre todos os que festejam, que choram, sobre os poetas, os depressivos, os loucos e os atores.
Senti falta das tuas mãos. Do teu olhar desconfiado, dos teus braços e teu jeito grudento de me abraçar, que se fosse qualquer outra pessoa no mundo eu teria reclamado há muito tempo. Mas você não. Sempre preferi ir a qualquer lugar sozinha, por preferir ouvir meus próprios pensamentos à comentários estúpidos, sem nexo, que vem de lugar nenhum e param em nenhum lugar, porque são vazios.
Mas teus comentários vêm de dentro de ti, [tem vida], mesmo que eu não esteja ali, teus encantadores pensamentos estarão. Ao seu lado, eu sou apenas parte da plateia de um público exclusivo de um outro espetáculo, que ocorre entre teus lábios e meus ouvidos somente, o espetáculo chamado você, com nome, sobrenome, endereço e telefone.